sexta-feira, 11 de julho de 2008

À mestra, sem amor

Porque as flores da loja eram muito caras e nem tão belas, o menino colhia as rosas do jardim. Não as murchas, não as opacas, não as sem viço. Colhia as mais vermelhas, cheirosas e belas. Seus dedinhos despetalavam esforços para quebrar os verdes caules. Depois de apartada a flor da roseira, ainda se prestava a quebrar cada um dos espinhos. Não raro os fincava nos dedos macios, alguns ainda lhe doem e na certa que inflamam até o dia amanhecer.
O primeiro amigo que passou o convidou para ir jogar bola. Ele não quis. O segundo, já o chamou de Maricas e lançou-lhe uma pedra na testa. Ele não chorou. Naquele momento, todo seu mundo se traduzia em arrancar as rosas, tirar os espinhos e colocá-las numa velha garrafa com água.
Está certo, seria muito melhor colocar no vaso bonito, mas teve medo de quebrá-lo. Além do mais, a beleza das flores, certamente, compensaria a pobreza do suporte.
Já sentia frio quando terminou, anoitecia. Nem o frio, nem a dor, nem a humilhação o fizeram menos feliz. Era o mais perfeito buquê que já existira. Não porque ele o fizera, mas porque deveria ser, era um presente para a mãe.
Por que presenteá-la? Não era nenhuma data especial... Ora, presenteava porque a ama. Colocou sobre a mesa da sala e esperou. Ficou com fome, mas queria estar ali quando a mãe chegasse, então não foi pegar nada para comer, ela poderia chegar a qualquer momento.
Enfim, ouvia a voz da mãe. Seu coração quase pulava na expectativa de ver sua reação. Na certa se encantaria com a beleza de seu gesto e o amaria ainda mais.
Márcia entrou gritando. Onde é que já se viu fazer aquela sujeira toda de terra dentro de casa, além disso, meu Deus do céu, o que é isso em cima da mesa? Não me diga que são as minhas roseiras! Você destruiu com o meu jardim? Será que eu não posso nem ir trabalhar sossegada que você me apronta? E olha o seu estado! Você está imundo, meu filho. Ai, pelo amor de Deus, some da minha frente. Vai já pro seu quarto, está de castigo. E hoje é sem janta, não me apareça mais aqui.
Juntou as flores e colocou na lixeira. A garrafa, quebrou jogando pela janela.
Ele foi. Chorou baixinho, as lágrimas escorriam doídas como só. Entrou no quartinho e fechou a porta. A luz deveria ficar apagada, castigo era sempre assim, escuro. Sentou no chão chorar mais. Tinha fome, tinha frio, doíam os dedinhos, a barriguinha, doíam os olhos já de chorar, doía aquele nó preso na garganta que ele não sabia bem que nome tinha, porque nunca antes o sentira. Doía o peito inocente e doía a alma, com um perfume suave de rosas.

Um comentário:

  1. Uma pena que nem sempre todas as sutilezas e delicadezas das ações não são notadas. O que acontece, é isso, mais se preocupa com a perda pessoal, do que o sentimento, por mais que verdadeiros, das outras pessoas.

    Muito bonito texto ^^

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