terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Das lições de ontem

(texto dedicado ao Nelson)

Eis que eu precisava para hoje dois papéis que conseguiria ontem, na faculdade. Para evitar as viagens de ida e volta, bem como a perda de uma noite, combinei com uma amiga que ela retiraria os documentos para mim. Minha namorada, no entanto, disse que o melhor era ir eu mesmo. Assim, apesar dos desperdícios, poderia evitar qualquer desencontro. De fato, não me custava, estando eu livre na noite de ontem... Além disso, pouparia a messa de uma procuração. Fui eu mesmo então.

Eis que na faculdade fui direto à Secretaria Acadêmica. Tirei uma ficha, esperei alguns minutos e uma das atendentes me chamou. Expliquei o que eu precisava e ela, muito solícita, respondeu:
— É que hoje não pode ser.
— Como “não pode ser”? — digo entre palpitações.
— Infelizmente, não há ninguém que assine os documentos que você precisa. Mas posso deixá-los prontinhos e amanhã de manhã você os vem pegar.
— Isso também não pode ser. Moro em Tapera e não há meios de vir para cá amanhã. Além disso, preciso postar estes documentos amanhã, senão perco a vaga de inscrição.
— Sinto muito, mas minha assinatura não vale de nada, e não estando aqui o responsável...
— Sim, entendo... Vou ver o que consigo fazer e, qualquer coisa, mais tarde passo aqui. Obrigado de qualquer forma.

Lição 1: Sempre resolva suas coisas pessoalmente.
Por mais empenhada que minha amiga estivesse, não caberia a ela resolver as complicações que acabavam de surgir. Dei graças por ter ido eu mesmo.

Pensei um pouco no que fazer. Às vezes, com um pouco de pressão, se consegue encontrar alguma resposta. Pois bem, procurei ao coordenador do meu curso, afinal, ele estava ali para nos facilitar a vida, certo? Errado. Sempre errado.

Expliquei-lhe o que acontecia e ele me chamou de brasileiro, tipo que deixa tudo para a última hora. Não perdi minutos explicando que só na sexta-feira soubera do curso de mestrado e que as inscrições de fato encerravam amanhã. Eis que veio sua máxima:
— Desculpe, mas eu não posso fazer nada.

Lição 2: Jamais diga “eu não posso fazer nada”.
Se alguém procura você com algum problema é porque precisa da sua ajuda. Há uma diferença enorme entre não poder e não tentar. Se você é o responsável por alguma coisa, seja Responsável. Eu trabalhei em contato com o público por alguns anos e sempre que não podia fazer nada, ligava para alguém que podia, explicava o problema como se fosse meu e encaminhava a pessoa para a solução. Aprenda: você sempre pode fazer alguma coisa, só o que impede é o comodismo.
Lição 2.1 (um adendo): Gramaticalmente é incorreto usar em uma mesma frase duas palavras de sentidos negativos, como é o caso de “não” e “nada” elas se anulam. Quem NÃO pode fazer NADA, pode fazer alguma coisa, até pelas normas gramaticais.

Depois de alguma insistência ele disse que o máximo que faria era pedir às secretárias que redigissem um atestado de que eu me formaria. Ok. Pelas idas de meu desespero aceitei com mesuras.
Redigiram por quase uma hora duas frases. Não quero parecer mal-agradecido, mas acontece que me entregaram um papel com um erro de acentuação e dois de concordância. Além disso, colocaram o carimbo do coordenador e a assinatura, visivelmente, de outra professora.

Lição 3: Quando o assunto é importante, trate-o com importância.
Como eu enviaria um “documento” daqueles para uma inscrição de mestrado em outra faculdade? Primeiro porque sou do curso de Letras e isso me exige alguma coisa em matéria do bom português. Além disso, minha universidade não demonstraria muita excelência com um papel de pão daqueles.

Assim também não podia ficar. Era uma questão de me preservar e preservar a própria universidade em que estudo. Vaguei pelo campus em busca de uma resposta. Desde pedir se eles possuíam um scanner até solicitar que me enviassem o documento por fax na manhã seguinte...
Foi então que lembrei da administração no centro da cidade. Ora, se no campus não havia ninguém para assinar, talvez lá houvesse. Liguei.

Lição 4: Sempre há alguém mais importante que quem lhe atendeu.
Isso já aprendi faz tempo, mas fica a lição: sempre que você receber um não ou for mal atendido, procure um superior. Longe de “delatar” o funcionário que não cumpriu as suas expectativas, você está cuidando de resolver seus próprios problemas. Além disso, como foi no meu caso, a funcionária tinha ordens superiores que a impediram de me entregar o papel sem a assinatura adequada, ordens “ainda mais superiores” poderiam resolver o problema.

— Alô.
— Oi, com quem falo?
— Nelson.
Vasculhei a mente de forma rápida: como perguntar sua função de forma cortês? Sim, porque um nome pouco me dizia, poderia ser o porteiro, o guarda, algum secretário... e nenhum deles precisaria ouvir minha triste história.

Lição 5: Fale sempre com quem pode resolver seus problemas.
Não fique se lamuriando para todo mundo que disser “alô”. Sinceramente? Você não precisa explicar o que quer para as secretárias, atendentes e etc. Primeiro porque elas não poderão tomar decisões que não lhes cabem, segundo porque ouvirão só por paciência...

Melhor do que perguntar sua função, era, pois, pedir para falar com alguém da administração. Foi o que fiz.
— Eu sou o administrado. Pode ser comigo?
Pois podia. Expliquei todo o caso até ali. Ao final ele me respondeu:
— Então procure a encarregada pela Secretaria Acadêmica.
— Pois é justo ela quem não está!
— Xih... Então vá até lá que falarei com a atendente. Vou ver o que posso fazer por você.
Era isso que eu esperava ouvir essa noite. Que alguém se dignasse a resolver esses meandros burocráticos e facilitasse minha vida.

Lição 6: Trate os assuntos dos outros como se fossem os seus.
Foi isso que fez o Nelson. Tratou do meu caso com a importância que daria se o problema fosse dele.

Quando cheguei na Acadêmica a moça que me atendera antes já falava com ele ao telefone. Aguardei alguns instantes e ela me chamou. Disse que havia um jeito.


Lição 7: Nunca se desespere. Estamos no Brasil, ora, sempre há um jeito.

Caso a vice-reitora assinasse, não haveria problemas. Ótimo, pensei. Porque a vice-reitora era minha conterrânea e eu a tinha em muita estima. Enquanto eu perguntava onde poderia encontrá-la, o telefone tocava novamente.
O tal Nelson estava verificando que ela conseguira resolver minha situação. Enquanto falavam , eis que a moça desliga apressada, explicando a ele e, consequentemente, a mim, o motivo: ela acabara de ver a vice-reitora estacionar o carro. Correu à janela.
A professora Sirlei, muito polida, disse que não haveria problemas e ainda acenou quando me reconheceu.
A moça voltou, pedindo que eu fosse ao caixa pagar as taxas referentes aos documentos que, enquanto isso, ela iria levar os papéis para que a professora assinasse.
Paguei, voltei e recebi os documentos, por fim.


Lição 8: Agradeça!
Nada pode ser mais importante do que agradecer. Isso reconhece o trabalho e o empenho do outro.

Agradeci muito à moça que me atendeu. Afinal, ela o fez com uma educação e uma cortesia ímpar. Além disso, estava disposta a me auxiliar, dentro do que podia fazer, sem quebrar as regras internas.
Fiz mais. Liguei ao Nelson.
Quando ouviu minha voz deve ter pensado que eu ligara para reclamar. Ao contrário. O fiz puramente para dizer “Muito Obrigado” e que minha situação se resolvera.
Pude ouvir seu sorriso. E era um som incrível, porque misturava sua grata surpresa à minha grata ingenuidade. Aquele sorriso disse muito. Disse que ele não estava acostumado a receber ligações desse tipo, portanto me considerava meio bobo. Quem gastaria em uma ligação de celular para agradecer por ele ter feito sua função? Ora eu gastava, com vontade e prazer imenso.

Talvez para ele foi só um “ligar para a moça da Acadêmica”, mas para mim esse ato teve a distância entre eu concorrer a um mestrado ou não. Por isso eu agradecia e ouvia seu riso embevecido.

Ontem o Nelson salvou meu dia. E acho que salvei um pouco o dia dele também. Ele me mostrou que ainda há competência e empatia. Eu lhe mostrei que ainda há reconhecimento e gratidão.

A ele, que pessoalmente nem conheço, mais uma vez: Muito Obrigado.

4 comentários:

  1. Post imenso.
    Obrigado a quem teve a paciência de ler.

    ResponderExcluir
  2. Enquanto lia seu post "imenso" tive inveja de como você escreve! eu sabia que você escrevia bem desde o começo, claro. Só que dessa vez... uma inveja maior bateu!!! O modo como você descreve... totalmente perfeito.
    Adorei ler seu acontecimento, e as lições também. É bom saber que existe pessoas que salvam o nosso dia ^^
    AH! "não posso fazer nada" - não tinha pensado que uma anulava a outra. Na verdade nunca pensei assim - estou piorando também no meu português.
    Mil beijos!
    e de nada.

    ResponderExcluir
  3. Que bom que tudo terminou bem. Conforme fui lendo, fui ficando ansiosa em saber se você tinha resolvido a questão. Imagino como você em pessoa não deve ter ficado no desenrolar da história. Enfim, boa sorte com todo o mais!

    ResponderExcluir
  4. Parabéns pelo texto, sabe que um dia passei por uma situação parecida, mas esse mesmo documento era para minha mãe e seu prazo expirava em dois dias, e a "dita" mulher que assina o documento não estava... Eu esperei a mulher assinar no outro dia! Parabéns pelo empenho aí de continuar seus estudos, eu porém voltarei a estudar para os concursos e mais tarde farei outra faculdade :). Abração e Feliz ano novo. Leco

    ResponderExcluir

Obrigado pelo seu comentário.