terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Palavras

As palavras são negras. E assim devem ser. As palavras me mancham de tinta. Há chumbo nela e eu me contamino. Desde sempre. E assim deve ser. Eu escolho quais palavras escrever. E escolho as piores, quando é sobre mim que falam. Escolho as palavras que Ághata me diria, se não preferisse sempre me ferir com seu silêncio.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

The loser takes it all



I don't want to talk
About the things we've gone through
Though it's hurting me
Now it's history
I've played all my cards
And that's what you've done too
Nothing more to say
No more ace to play


Ontem à noite, antes de dormir, eu revisitei minha vida. Ano a ano. Momento a momento. Foram 32 cenas. 32 dos momentos em que já me senti mais sozinho na vida. Eu bebê, sendo abandonado pela minha mãe - desculpe, não há outro verbo que eu consiga engolir aqui -, eu sendo castigado pela Ághata, eu sendo desprezado pela primeira menina que eu amei, eu voltando do acampamento com um conhecido, eu no momento em que soube da morte do meu pai. Muitos eus, enfim. Eu visitei e abracei um por um. E foi reconfortante. Reconfortante porque, hoje de manhã, enquanto eu estava aqui no IF e preparava um chá preto para mim (estou fazendo escolhas melhores agora, ou quase), eu pensei na solidão disso tudo, na minha vida do jeito que está, na instabilidade que eu sinto se aproximar por todos os lados. E pronto. Eu me senti visitado, me senti abraçado, valorizado, de algum jeito, eu me senti visto. Visto por um eu futuro. Um eu que vai poder se lembrar disso um dia e voltar aqui, pelo menos em lembrança, e me abraçar forte por um segundo ou dois.


The winner takes it all
The loser standing small
Beside the victory
That's her destiny

E então me veio toda a vontade dessa música. Pelo ritmo, mais do que pela letra. Pelo ritmo e pela voz da Carla Bruni, que sempre me fez viajar. Eu reconheço minhas paixões pelas minhas trilhas sonoras e quem as guia agora é "Nine millions bicycles" e tudo que vem com ela. Apaixonado é uma palavra forte ainda, confusa ainda. Mas acho que é a palavra certa. Porque a paixão é intensa. Porque a paixão é insana. Porque a paixão nos faz confundir bem e mal, nos faz odiar tanto quanto amar. Acho que é isso, então. Acho que estou apaixonado por mim. De um jeito instável. De um jeito melancólico. De um jeito autopiedoso até. Mas isso é melhor do que o desprezo de todo. Coloquei o fone, dediquei a música a mim, enquanto a água se tingia com o chá.

I was in your arms
Thinking I belonged there
I figured it made sense
Building me a fence
Building me a home
Thinking I'd be strong there
But I was a fool
Playing by the rules


Uma cerca, uma casa, meus muros, minhas regras. O que esse eu futuro vai pensar do meu eu passado? Desse de agora, daquele que, adolescente, começou isso de blogs? Ele vai saber que ainda somos o mesmo? Que ainda temos os mesmos dramas? Que a gente ainda luta contra as grades, mas ai de quem tentar tirá-las de nós? Eu jogo pelas mesmas regras desde sempre. As minhas regras, que agora já não me machucam mais. Agora que eu já entendi que comigo é assim. Que eu nunca vou ter a vida das pessoas nos filmes. Nunca as histórias dos livros. Porque, na ficção, sempre há redenção. E eu no fundo nem a quero. Só fui convencido, em algum momento, de que a queria. Está tudo bem em se abraçar sozinho, se é assim que você se sente menos tenso, confortável.



The gods may throw a dice

Their minds as cold as ice

And someone way down here

Loses someone dear

The winner takes it all
The loser has to fall
It's simple and it's plain
Why should I complain


Sempre que escutei essa música, me identifiquei com o loser.  Não é engraçado como somos preparados para isso? Para perdermos e acharmos bom? Nos desenhos, nas fábulas, nos filmes. É sempre do coitadinho que aprendemos a gostar. Desde a tartaruga e a lebre. Ah, mas ela é a vencedora! Sim, mas só para nos fazer gostar mais de quem tem tudo para perder. Eu ouvia essa música hoje e me lembrava dos desenhos, do Papa-léguas, do Tom & Jerry e todos os outros dessa mesma linha. O papel de vítima e predador invertidos. O Coiote, o Tom, sempre como losers. E era sempre com eles que nos identificávamos. Não, não queríamos que eles comessem suas presas. Mas cada frustração aceita, teimosamente aceita, era uma lição nossa, uma lição de continuar mesmo caindo de todo penhasco possível. Mesmo não conseguindo jamais. Jamais. Porque havia em nós a certeza de que eles não venceriam. (Como nós.(?))



But tell me does she kiss

Like I used to kiss you?

Does it feel the same

When she calls your name?

Somewhere deep inside
You must know I miss you
But what can I say
Rules must be obeyed

Hoje eu não quis me identificar com o perdedor. Hoje eu quis ganhar tudo, levar tudo, pegar tudo que há daquilo que já perdi. Hoje eu não quero falar do que foi, não quero voltar e arrancar cascas de feridas que já viraram cicatrizes. Não há mais o que fazer nesse sentido. Então vou pegar tudo, carregar tudo que aprendi e ser vencedor, nem que seja sobre mim mesmo.



The judges will decide


The likes of me abide

Spectators of the show

Always staying low

The game is on again

A lover or a friend
A big thing or a small


The winner takes it all


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Post Confuso...

Hoje, não sei por que cargas d'água fui parar em 2004. Fui parar no início deste blog, ainda em outra plataforma, ainda cheio de sangue pingando e caveiras e cemitérios. Ainda quando eu acreditava que seria escritor e que teria minha vida inteira transformada pelas palavras. E tive. De certa forma tive. De certo modo eu consegui mesmo viver em função da escrita, embora não do modo como imaginava lá.

Entre os textos, um deles me chamou a atenção. Porque, na época, não era para mim. Agora é. Agora eu senti mesmo como se ele fosse uma mensagem minha para mim. Sabe como é?! Como aquelas cartas antigas que escrevemos para nós mesmos e escondemos, na esperança de encontrá-las algum dia no meio de um livro velho e empoeirado.

Estou me perdendo no discurso. Estou sendo clichê desde o começo. E não me importo. Minha escrita hoje tem sido muito cuidada, muito educada, sentada de pernas fechadas e mãos sobre o colo. Sem mexer em nada. Minha escrita aprendeu a ser acomodada. Aprendeu a sorrir para as visitas, polida, muito polida. Mas pouco prática, pouco espevitada, pouco espiritualizada. Minha escrita ficou asséptica. Ela que antes era toda alma. Minha alma.

Volto para cá, de novo. Em perdão das redundâncias. Volto porque ninguém mais vem aqui. É casa vazia no meio do nada. Casa na qual eu posso gritar e gritar e gritar. Ninguém escuta. Volto e volto lembrando dos caminhos que eu fazia. Dos Posts Confusos, por exemplo, em que eu enveredava em assunto atrás de assunto atrás de assunto. Acho que é isso que está nascendo aqui. Porque não me controlo mais e tudo vai fluindo, brotando, natural pela primeira vez em muito tempo. Eu sinto que poderia passar o dia inteiro aqui, escrevendo sem parar, sentindo o gosto amargo que tenho na boca, o frio dessa sala do IF, olhando de soslaio para a caveira sobre a mesa que não é minha mesa e pensando em tudo que ela me tirou durante este ano. Ou melhor, em um só dia.

Do Vinícius de 2004, veio isso:

Estou escrevendo só para dizer que sei como você se sente, a confusão faz parte de nossas vidas, mas tudo muda um dia, por isso, melhor não desanimar. Na próxima noite, quando a Lua nascer nessa terra distante, e próxima que te encontras saiba que fui eu que pedi para que ela iluminasse tua vida. E se nessa noite a Lua não aparecer, não temas pois até ela preferiu deixar que nosso amor se concretize no momento certo. Apesar de não te conhecer, sinto sua falta. Saberás que é para ti no momento em que ler. O destino se encarrega de certas coisas quando os sentimentos são verdadeiros. Nem sabes o quanto queria fazer parte da tua vida, porém, como não posso espero, espero para ter-lhe em meus braços novamente, como da última vez. Espero que olhes para a Lua, mas espero também que sintas o vento. Sim, isso mesmo, mandarei também o vento para acariciar sua pele. Logo depois de ler isso, vá até uma janela, o que sentirás é um beijo, transformado em suspiro e levado atá você pelos Silfos. Não se sinta sozinha. Estou ao seu lado, basta você notar...

Ele sabe como eu me sinto. Eu sei como ele se sente. Ainda somos o mesmo em tantos níveis, tantos. Ainda somos a mesma esfinge sem mistério. Ainda tentamos impressionar. Ainda procuramos, desesperadamente, por um amor. Um amor próprio. Ainda temos alguma crença em luas que iluminam vidas. Ele não me conhecia, mas sentia falta de mim. Eu não o esqueço e sinto saudade dele. Eu soube. Soube no momento em que eu li que esta mensagem não era para uma menina qualquer da época. Era para mim mesmo, hoje. O destino se encarregou de trazer o texto para mim. Eu prometo reparar na lua, que nem sei em que fase está. Eu prometo me deixar beijar pelo vento, em vez de reclamar da sujeira que ele traz. Eu vou até a janela, assim que puder. Mas não sei se consigo me sentir menos sozinho. Menos desamparado.

A escrita faz isso. A escrita fez isso por mim em grande parte da minha vida. Desde 2004 e antes, muito antes. Eu conseguia colocar na tela o que tinha na alma. Agora não sei se consigo ainda. Tudo me parece muito privado. Eu me pareço muito fechado. E se alguém ler? E se alguém vir? E se alguém me julgar? O meu menino de 16 não se preocupava com isso. Ele queria ser visto, ser lido, ser comentado. Ele estava ansioso por isso. Eu não estou mais. Ou estou ainda, só que de um jeito diferente. De todo modo, nós dois queríamos sumir. Nós dois fugíamos das fotos e dos espelhos. Nós dois lidávamos com o que  não podíamos entender, enquanto flertávamos com a morte e fingíamos saber alguma coisa sobre ela.