Eu queria escrever, mas parece que esvaziou-se a inspiração. Como se lá, aos quinze anos, eu tivesse um manancial ilimitado de temas, de textos, de frases bonitas e de efeito. E, agora, aos 32, me restasse uma bacia vazia, com um leve toque de umidade no fundo, que eu insisto em tentar lamber.
Procuro na internet por plots gerados automaticamente, por desafios como aqueles que precisam incluir café, bola e azul no mesmo texto. Não encontro. Ou, se encontro, não me encontro diante do que é gerado. Ouvi uma palestra, certa vez, em que um autor afirmava que esses desafios criativos obrigam nosso cérebro a pensar em soluções pouco convencionais e, assim, instigados, somos capazes de ir além, de pensar fora da caixa e, quando vemos, a obra surge.
Nada surge daqui. Mais do que da palestra, me lembro agora da minissérie Maysa, exibida na Globo há alguns anos. Lembro muito bem da cena em que a protagonista se perguntava se precisaria cantar as dores dos outros, tendo tantas que são suas. Eu estou assim também. Será que preciso encontrar a inspiração fora, tendo tantas histórias minhas para compartilhar? Ou será que o mecanismo que convertia minhas misérias em textos se quebrou de tanto ser criticado?
É mais fácil pensar assim. Pensar que já me disseram tanto que eu me expunha demais que me fizeram calar para sempre, como fazem calar as crianças na escola, que aprendem desde cedo a não erguer o braço para perguntar. Trinta e dois anos, um doutorado nos ombros e escrevo em um blog, feito um adolescente qualquer. Um blog que não divulgo, que não quero que vejam, que prefiro que acreditem morto e bem, muito bem enterrado.
Talvez eu devesse usar um diário para isso, como aquele, com arquivo criptografado no meu desktop. Talvez eu devesse escrever a punho, mas como se isso não impede que me leiam em casa? Ou eu me exponho demais, ou me invadem a privacidade inteira. Não há meio-tom.
Escrevo e a sensação dos dedos batendo no teclado me fazem lembrar de outros tempos. Tempos em que eu assistia seriados na Globo, escrevia ao entardecer e, assim, conseguia me entender. Conseguia fazer sentido. Porque, sinceramente, eu não tenho sentido mais. E, aqui, "sentido" adquire o caráter tanto de verbo quanto de substantivo. Eu não tenho mais uma explicação, um motivo para seguir. Entende?! Não na vida. Não estou falando aqui em suicídio. Estou falando que não tenho sentido enquanto sonho, direção. É isso? Também não sei. E, ainda, não tenho mais sentido as coisas plenamente. Sem usar as palavras para descrever meu peito, é como se ele estivesse vazio de qualquer sentimento. Como se ele só batesse, autômato, porque bater é a sua missão e foi esta a ordem dada no início dos tempos: bata! E ele bate. E eu apanho, sem compreender o porquê.
"Como é que eu vou poder cantar se a minha dor está envergonhada, está fora de moda, está parada pra pensar.
Como é que eu vou contar as minhas tristezas se elas estão tão enroladas que nem eu mesma sei.
O que foi que restou da minha vida?
Onde estão as minhas mágoas?
Onde é que eu estou?
Será que eu vou ter que cantar a tristeza dos outros, tendo tantas que são minhas?"
Como é que eu vou contar as minhas tristezas se elas estão tão enroladas que nem eu mesma sei.
O que foi que restou da minha vida?
Onde estão as minhas mágoas?
Onde é que eu estou?
Será que eu vou ter que cantar a tristeza dos outros, tendo tantas que são minhas?"
trecho da série, publicado aqui em: 09/01/2009