terça-feira, 9 de setembro de 2008

Irreflexões

“Renda-se, como eu me rendi.”

Natural que reprimido tanto tempo, todo sonho se aprouvesse da culpa e ganhasse força. O delírio deitou ao meu lado em noite escura de tão insone, acariciou em passadas leves a nudez linear das minhas curvas. Nos meus ouvidos sussurrou indecências impuras, tão familiares quanto o som da voz.
Penetrou vago e vacilante à insensatez da mente, flutuou ébrio e interessante entre os cabelos e o travesseiro. Contou como inéditas as lembranças da minha infância, fez juras perdidas entre uma casa demolida e a construção de um muro. Sibilante pedia insistente “promete ficar quieto?”. Juntei toda minha força intrínseca, toda minha alma acre, toda minha luta morna para resistir. Era preciso reagir!
O que fiz foi soar calmo: Prometo!
Numa embriagues de vinho doce, como o provado uma só vez em toda vida, fui embalado, terno e pacífico. Os demônios presos na garganta escura, os anjos ausentes em rochas marinhas e eu ali, abandonado. Que a vida viesse, que o vinho viesse, que minha alma fugisse no instante exato daquele beijo, o único beijo.
Eu podia sentir o cheiro da terra, eu podia sentir o gosto de leite, eu podia sentir o calor da tarde, eu podia sentir o toque do cimento, eu podia sentir o barulho da água, eu podia sentir o calor da carne, rija.
Eu quero gritar, mas prometi ficar quieto. Não quebro promessas, não quebro segredos, não quebro minhas culpas, nem os cristais de minha avó. Será que algum dia eu me perdoei por aquela tarde? Ele sorri irônico, sabe que não. Ele sabe. E gosta disso.

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