terça-feira, 24 de agosto de 2010

Das coisas que chamam amor

Como se por decorrência da morte lhe aflorasse qualquer traço amorístico lacônico, pegou com dificuldade o celular e, mesmo estirado no cimento da rua, sangrando, apertou o 8 e o yes.
— Oi.
— Oi. Só liguei pra dizer ainda mais uma vez que te amo.
— O que aconteceu com você?
— Estou morrendo.
— O quê? Como? Onde?
Numa golfada de sangue que atinge o asfalto ele ainda balbucia algum lugar.
— Mas o que você está fazendo próximo à praça da Sé? Com quem é que você está aí? Olha, se você está me traindo, seu desgraçado, eu juro que mato você. Eu mato, ouviu? Porque você pensa que é muito especial, né? E único e poderoso, né? Está se sentindo. Acha que eu não consigo coisa melhor? Pois eu consigo, só pra te mostrar. E não adianta agora me ligar, seu desgraçado, pra vir dizer que me ama e sei-lá-mais-o-quê, ouviu? Eu não me interesso por nada disso, entendeu? Quero é saber o nome dela. Da puta, da desgraçada, da piranha com quem você está se encontrando por aí. Diz, anda, diz, desgraçado. Régis? Régis, fala alguma coisa, seu puto. Desgraçado, infeliz. Bem que elas me avisaram, bem que elas me disseram que homem é sempre igual, que não presta mesmo. Ô raça infeliz. Seu Idiota. Você está me ouvindo? Eu estou falando com você, seu babaca...
E ela poderia só ter dito que o amava também, era o que ele esperava ter ouvido antes de morrer. Agora é tarde. Tarde, tarde, tarde, tarde.

3 comentários:

  1. Anda mesmo difícil acreditar no amor puro e simples, sem segundas intenções... Que triste.

    ResponderExcluir
  2. você anda mesmo inspirado, vini. esse seu conto deveria ser publicado na primeira páginas dos principais jornais e nos outdoors para que as pessoas refletissem mais e vivessem melhor. ray

    ResponderExcluir
  3. você anda mesmo inspirado, vini. esse seu conto deveria ser publicado na primeira páginas dos principais jornais e nos outdoors para que as pessoas refletissem mais e vivessem melhor. ray

    ResponderExcluir

Obrigado pelo seu comentário.