segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Cão

Ele andava pela rua, branco e preto. Não pedia nada, também em troca não oferecia perigo quase nenhum. Quando rosnava, coitado, era para as pulgas próprias.

Cheirava uma pedra mijada aqui, uma sacola rasgada ali... Se alguém lhe gritava ele olhava humilde, tapando as intimidades com a cauda. Ainda assim, se necessário fosse, empenhava os varetos das pernas a correrem de pronto.

Gritavam muito com ele, sem que ele soubesse entender. Cuidava tanto para não mexer em coisa alheia, para não chegar perto daquela gente feia. E eles vinham com berros que falavam em “suma”, “caminha” e “casa”. Ele não assimilava tudo; entendia que era para correr e então corria.

Naquele dia, foi bem perto do meio-dia que cruzou a viela da Boa Esperança. Andando embalado por algum cheiro de carne fritando, ia de olhinhos fechados, focinho alargado, inebriado o pobre cão.

Veio então o barulho esquisito, que de tão distraído ele nem pensou em checar. O sol era bom e o cheiro prometia delícias escorrendo na boca. Por que ele ligaria para o som de alguma coisa cortando o ar? Além disso, não era estranho o barulho, ele só não consegui lembrar. Se concentrasse um pouquinho, desviasse do torpor do sol, da carne...

Pedra, de repente ficou todo ele desperto e lúcido. Pedra! Mas não deu tempo dos olhos pretinhos se abrirem de todo. Metade de um tijolo de construção já estava voando perto demais da sua cabeça...

E a rachou em duas partes.

2 comentários:

  1. É engraçado como uma história consegue definir tão bem o que a gente sente. Mesmo sendo minha natureza diversa à do cão, mesmo sendo o tijolo meu imaterial... A cabeça rachada é também a minha.

    Espero apedrejar também quem ler.

    Abraços.

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  2. a minha também...
    triste...
    queria um afago...não pedra...

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