domingo, 4 de setembro de 2011

Luffa

Os outros frutos se inchavam com o sumo doce que suas plantas lhes injetavam por dentro. Não ela. Dentro dela tudo era de uma secura fibrosa e áspera, ela toda preparada para machucar quem lhe acariciasse demais.

Na casa da avó velha havia, atrás, trepando a cerca com suas indecentes flores amarelas. Foi pisando nas pedras tortas, caindo sem se importar, que ela chegou. Abriu o portão e não o fechou atrás de si, o deixou caído, despencado, meio morto. A avó talvez dormisse naquela hora. Talvez morresse. Ela não bateu à porta para saber. Deu a volta na casa e as avistou.

Pendidas e tristes, feito pepinos que secaram demais ao sol, que torraram e morreram ali. Ela escolheu uma. Uma que os pássaros não alcançaram para quebrar-lhe a casca e comer-lhe as sementes. Sim, porque ao menos suas sementes eram comida.

A dela era inteira.

Virou-se, deu a volta na casa, passou pelo portão morto e subiu a rua enfiando as unhas bem fundo, quebrando a casca como se fosse a de uma ferida seca. Sentindo os dedos se enterrarem nas fibras duras daquele fruto hirto. Deixou nas pedras a trilha da coisa esfarelada.

Chegou ao portão da própria casa e depois de entrar o bateu bem forte. Ouviu a cerca toda bater e reverberar como que em protesto. Dissessem as grades os palavrões que quisessem. Nada mais feria.

A roupa ela abandonou pelo caminho, completando a última trilha. Entrou no banheiro, o chuveiro quente demais. Passou a água pela polpa seca. Deixou-se cair nos ladrilhos gelados. Começou pelas mãos, esfregando até que ficassem róseas, depois vermelhas, depois até que começassem os arranhões, depois até que os filetes de sangue surgissem. Passou para os braços segundos antes de expor das mãos as veias, os músculos, os tendões, os ossos.

Sempre arranhando, sempre ferindo, sempre sem gemidos ou lágrimas que denunciassem uma dor. Quem sabe sem dor.

Esfregava. E enquanto esfregava a espuma vertia e enquanto vertia se tingia de um rosa algodão doce. O pescoço fino, o vão dos seios, os seios, o abdômen, as costas, até onde alcançassem as mãos. O rosto e os cabelos compridos e pretos demais. Os pés, as pernas, as coxas. O sexo de menina.

Toda ela se acariciando até a carne com a bucha dura. Toda ela esperando para descobrir que também por dentro não havia polpa doce, só aquelas fibras entrelaçadas, unidas, perplexas e que não serviriam de alimento. A mais ninguém.


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