Meus espelhos triplos só fazem é me observar.
São mudos. E reflexivos, os coitados. Ainda assim, às vezes vejo neles
qualquer olhar acusador. Como se estivessem prestes a me falar... Prestes a
dizer coisas que eu não gostaria nem um pouco de ouvir.
Mas na hora H calam-se.
São meus e
parecidos demais comigo estes espelhos quietos e observadores.
Além disso, eu
tenho sempre coisas duras demais nas mãos. Uma xícara, um peso de papel, um
grampeador, um vidro do século XVI...
Talvez é pelo medo de quebrar que não me falam os espelhos mudos.
Talvez é pelo medo de quebrar que não me falam os espelhos mudos.
Eles me diriam
coisas horríveis, apontariam para mim minhas próprias falhas. Minhas covardias,
minha falta tremenda de nudez, minhas mudanças para pior, meus apodrecimentos
precoces, minhas nuvens negras e minhas maldições mais obscuras.
Quietos! Grito
eu. E é só meu grito que se escuta pelo quarto.
Quietos, repito
aos sussurros, pronto para atirar-lhes qualquer coisa.
Por um instante
ouço o vidro partindo. Vejo as lascas grandes, os estilhaços, os cacos se
derramando sobre livros e papéis e caixas, inúmeras caixas. No que sobrou da
moldura eu vejo ainda meu rosto, partido, quebrado, mais real do que nunca.
Mas não, eu não
atirei o que tinha na mão. Não, eles não se quebraram. Não, eles não falaram, não
fizeram um gesto sequer. Porque eu também não o fiz. Estamos seguros. Os espelhos e eu.
Deixo que o
vidro grosso do meu perfume caia no chão. E quando faço isso, o espelho me
sorri de volta. Desprezível. Como que para dizer que sabia, o tempo todo, que eu não
teria tanta coragem assim.
Espelhos sabem demais.
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