segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Unhas vermelhas

Ághata domina a casa. Se tranco a porta, ela tenta a janela. Se tranco a janela, seus gritos a derrubam. Por Deus, Ághata me invade inteiro!

Suas unhas longas força passagem pelos meus olhos, fincando feito agulha até despejar deles o mel que há. Suas garras de dedos finos escancaram minha boca. Pra dentro de mim ela procura passagem.

Passagem não há. Eu sangro e ela não entende que o sangue nas suas mãos é meu.

A cada lasca que ela arranca do muro que me cerca, eu envergo nova muralha. Mais pedras, mais cimento, mais areia, mais massa, mais depressa! Ela não entende que quanto mais me sufoca e mais se força em mim, mais eu escorrego pra longe, mais eu me refugio na escuridão que resta.

Mas ela vem. Vem de lança em punho, vem de azul letal nos olhos, vem para tentar me abrir e me enxergar por dentro. Vem em vão. Ághata não entende que em mim não há mais caminho pra ela. Não assim. Não quando ela investe em venenos tão fortes, ácidos tão corrosivos e facas tão afiadas. Não com tanta força.

Ninguém entende, eu acho. Ninguém me aceita sem pertencer. E eu não quero pertencer. Sou egoísta. Eu me pertenço inteiro. E aceitar isso é a senha para a ponte elevadiça destravar. Destravar, não abrir.

É preciso mais paciência.

Não é uma questão de me possuir. Entende?

Não! Ághata, você jamais vai entender, porque é passional demais pra isso. Quem tenta me possuir me perde, meu amor. É preciso se deixar possuir. É preciso que eu te queira, do contrário, caminho não há.

E como vou te querer recheada de espinhos? Como vou te querer coberta de escarras? Como vou te querer de armas na mão? Não vou! E enquanto eu não quiser, você não entra, meu bem. Você não chega perto, você não conquista o direito ao afago, ao riso e ao beijo.

Você me quer domar pela força. E pela força é que eu não me entrego, sou mais forte que isso. Sou mais forte do que você. Sou mais forte do que eu!*


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A última frase de Clarice Lispector, na nota de Uma aprendizagem - ou livro dos prazeres.

3 comentários:

  1. Nós não entendemos o que é posse, e que nossa maior propriedade é a liberdade.

    O amor pode ser dessas coisas que não se peça.

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  2. Nós entendemos o que é posse. E nossas leis são contrárias ao comum. Pelas terras do nosso coração a força tem outro nome, jeito, maneira e modo.

    AMEI essa crônica/poesia/pensamento/vida/alma!!!

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