sábado, 28 de janeiro de 2012

Epifanias

Quando a poeira vermelha baixou, no meio da rua estava Clarissa. Vestida de flores, olhos pintados de água, sorriu-me triste. Os cabelos quase brancos faiscavam com o sol da tarde e meia. Do lado, nas pedras quentes do chão, uma bolsa de viagem, alça arrebentada, couro desgastado.

Voltou.

Quando falou, não me deixou interromper. Não me deixou falar também. Quando falou, eu sabia que não mais me deixaria.

“Eu sei. Eu fui tola. Tola demais. Todo esse tempo sempre perseguindo sonhos. Sempre imaginando que eu seria a solução de alguém, sempre pensando ‘Se ele me amasse, eu poderia mudar a vida dele’. E eu nunca percebi. Eu jamais nem imaginei que tudo que eu precisava era de alguém disposto a mudar a minha vida. Alguém disposto a me fazer feliz. Entende? Alguém que me mostrasse o meu lugar. Que dissesse o quanto eu era importante. Alguém que me notasse, me admirasse, me fizesse sorrir por bobagens, sabe? E agora eu estou aqui, chorando, porque todas as vezes que tentei fazer alguém feliz, eu abdiquei da minha felicidade. Do que eu sentia. Do que eu queria. Eu fiz com que eles vissem o quanto eram importantes. E eles se tornaram importantes pra eles mesmos. Não pra mim. E isso me fez ver que importante não é mesmo amar. É ser amada, né?! Por isso eu voltei. Voltei porque não posso mais perseguir sonhos, não posso mais quebrar. Estou esfarelada, entende? Não em cacos, em farelos. E eu queria saber se há um lugar, se há um canto, se ainda há encanto que me faça voltar pra você. Porque o segredo é mesmo esse. Não é tentar mudar a vida de alguém. É deixar que alguém mude a sua. E eu sei que você poderia mudar a minha se quisesse. Se tentasse com força. E eu deixaria dessa vez. Dessa vez eu sentaria e seria feliz. Bem boba, bem tola, bem mocinha de filme da década de 20.”

Quando ela finalmente terminou eu compreendi. Cada palavra. E soube que ela tinha razão. E soube que eu precisava, também, de alguém que me fizesse feliz, não de alguém a quem alegrar. Eu disse que ela podia sim voltar. Mas nunca pra mim.

Conto inspirado pelo som de A hora da estrela

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