sábado, 26 de novembro de 2011

Réquiem para Shana Maria Cristina.

Eu queria ligar pra alguém. Eu queria te dizer alguma coisa. Eu queria, mais do que tudo, ter feito um último afago no teu focinho marrom. Mas não consigo fazer nada disso. Assim como não consigo ainda chorar. Estou tão corroído por dentro, meu amor, que não consigo chorar. E é também porque se eu começasse a chorar por ti, eu não conseguiria parar. Viriam as lágrimas também por mim e aí tudo estaria perdido. Se a primeira gota escorre, eu me afogaria e morreria. Como tu. Bem igual, meu benzinho.

Teu cheiro de nova eu ainda lembro, teu corpo todo preto, sem marca nenhuma, tua boca faminta de leite a beber de uma outra que já era minha. A rejeição, tua volta pra casa, por um tempo, me diziam, por um tempo. E foi. Quando te encontrei de novo já tinhas as manchas brancas nas patas e no peito. O desenhado marrom na fuça e nas sobrancelhas e o porte elegante do que me pertenceria.

Eu te ninei e brinquei e corri e pulei na grama verde. Foram nossos anos melhores, não foram? Eu ri dos teus emburramentos, da tua personalidade minha, das tuas graças e dos teus acidentes de percurso. Eu te vi chorar, meu amor. E tu me viste chorar, meu amor. E eu te chamei quando ninguém mais havia. E tu vieste. Sempre. Sempre atendendo ao meu chamado. Sempre fazendo festa quando eu voltava pra ti.

E agora se foi tudo. Todos os amores me abandonaram. O gato preto primeiro, que eu achava tão meu. Depois aquele que cresceu comigo. E agora tu. Por pura injustiça eu fiquei sem ninguém. Ninguém, meu amor. Como tu podes me deixar sem ninguém?

Agora, eu sinto, meus olhos já se molham. Minha cabeça pesa. Minha casa inteira reclama tua falta. Nunca mais o latido forte. Nunca mais os arranhões na porta do quarto – que eu nem sempre abri. Nunca mais a alegria teimosa de me ver. Nunca mais tua cara pensante no vento lá fora. Nunca mais o passeio de carro enquanto a tarde entardecia.

Que faço de mim sem amor, meu amor? De repente eu fiquei bem bem sozinho. Ninguém para esperar por mim. Ninguém para um carinho apressado. Ninguém com quem repartir uma bala de goma.

E me escorre de cada olho uma lágrima. Já posso chorar. Mas não deveria. Não queria. Escorrem duas juntas. Uma por mim. Outra por ti. Eu queria te ouvir voltar, meu bem. De tamancos russos fazendo tec-tec-tec na madeira do quarto. Queria ouvir teu sopro de desagrado, teu choro por querer visitar nossa avó.

Não mais.

Tudo me vai sendo tirado, como se testassem até que ponto eu aguento – sem morte – a solidão. Quão fundo a pessoa pode ir sem despedaçar pela própria dor. E a novidade é que eu já não aguento mais. Eu já não consigo me recompor e me arrastar vivendo em cacos.

Tu, rainha bonita que era, não me deixarias desistir. Diria com tuas bolitas de amêndoas: por mim. Mais um pouco por mim. Mas agora não tenho tua voz para me segurar, teu cheiro para me embalar, teus olhos para me olharem com o máximo amor.

E teu último pensamento não foi deus. Fui eu. E onde eu coloco a dor de te ver morrer se já não há lugar pra mais dor dentro de mim? Eu não sei o que fazer, meu amor. Eu não sei como chorar mais e me esvaziar um pouco. Eu não sei como te chamar e fazer com que tu venhas.

E se eu assobiar daquele jeito mais uma vez? Tu virás correndo e contente ver o que eu quero? Se eu tentar tu voltas, mesmo dos mortos pra me olhar mais uma vez? Não volta, meu bem? Mas não volta por quê?


6 comentários:

  1. Que amor lindo. E que expressão magnífica deste mesmo amor. Parabéns por este texto tão embevecido. Abraço!

    ResponderExcluir
  2. "If I reach to the sky
    And call out your name
    And if I could trade
    I would" (gone away/ offspring) , fiquei pensando nessa trilha conforme lia.

    ResponderExcluir
  3. Perder esses amores talvez sejam os mais doloridos.Esses são os únicos amores que só causam dor quando se vão.
    Um abraço apertado.

    ResponderExcluir
  4. Perder esses amores talvez sejam os mais doloridos.Esses são os únicos amores que só causam dor quando se vão.
    Um abraço apertado.

    ResponderExcluir
  5. Perder esses amores talvez sejam os mais doloridos.Esses são os únicos amores que só causam dor quando se vão.
    Um abraço apertado.

    ResponderExcluir
  6. Ela recebe todo o seu amor e carinho de onde está.
    Eu PRECISO acreditar nisso.
    Espero que você também.
    Um beijo e um especial abraço, cincodezembrista amigo.
    Si

    ResponderExcluir

Obrigado pelo seu comentário.