A vizinha sabe de todas as coisas.
Seria até caso de estudo. Só não é porque ninguém no mundo é tão sabida quanto a vizinha. Logo, só a vizinha poderia estudar a vizinha. Mas isso ela não faz. É perigoso o que ela poderia descobrir... Além disso, a vida da vizinha é perfeita.
A vizinha conhece as doenças todas. Ela tem, em algum lugar, um diploma de medicina. Lá de Harvard. Em um olhar ela diagnostica, desengana e indica um tratamento milagroso. Mi-la-gro-so. Salva o corpo e alma do infeliz.
A vizinha sabe o que acontece com todo mundo. Ela tem alguma tecnologia que nem a Nasa inventou ainda. Ela sabe quem trai, quem rouba, quem se droga, quem trafica e quem dá o cu escondido. A vizinha sabe onde você está agora. O que está pensando. O que você acha que ninguém sabe, a vizinha sabe.
A vizinha está informada das notícias todas. Ela tem contatos espalhados em todo o Brasil – e mundo afora também. Caiu um prédio no Japão? A vizinha sabe. Caiu a bolsa na Alemanha? A vizinha viu. Morreram cinco no Paquistão? A vizinha estava lá. Espirrou sangue nela, inclusive. Quer ver? A vizinha mostra.
A vizinha tem um GPS que, quando for descoberto pelos outros, será tratado como invenção extraterrestre. A vizinha sabe de onde você chegou às 3h da manhã. E mais, sabe para onde você vai às 3h da tarde. Mesmo que nem você saiba ainda. Ela já sabe e já avisou alguém.
Porque, afinal, todo conhecimento deve ser repartido...
E a vizinha reparte.
A vizinha estudou tudo sobre relacionamento familiar também... Como tratar bem o marido, como criar lindos filhos, como adular a mãe, a sogra, o periquito... Tudo isso a vizinha sabe e não se cansa de ensinar. Ela conhece quem bate na mulher, quem dorme com a filha, quem trai a esposa com a cunhada e até quem deu uns pegas na própria avó.
Não bastasse, a vizinha conhece Deus. Se ninguém mais O conhece, ela conhece. Tem linha direta com Ele. Ela sabe do que Ele gosta e o que não gosta, o que Ele permite ou não permite... Ela sabe como ninguém o que é pecado. E avisa. E julga. E condena. Misericórdia? Se Ele tem, a vizinha não. É coisa do capeta.
Economia, beleza, jardinagem, educação, tecnologia, saúde, astrologia, traições, tradições, psicologia, psiquiatria, espiritismo, macumba, simpatia, medicina, medicina veterinária, enfermagem, finanças, relações exteriores, terrorismo, cinema alemão pós-expressionista, taxidermia, história, aramaico, inglês, bicho de pé, chá pra diarreia, astronomia, pediatria, botânica, química orgânica – e inorgânica, paleontologia, música, mineração... de tudo ela sabe tudo.
Ela contradiz, com calma e fumo, cada um dos especialistas dessas áreas, sendo, inclusive, capaz de convencê-los prontamente de que nada sabem, se comparados a ela.
Este texto, como se percebe, é um elogio à vizinha.
Porque a última vida que ela conseguiu salvar foi a minha. Não de um risco de morte, mas de esquecimento eminente.
Sim, em seu laboratório subterrâneo, usando seus conhecimentos de neurociência e neuromedicina e neuropsicologia e neurobarometria, entre outros, ela fez uma descoberta importantíssima, inédita, salutar, digna do próximo Nobel de medicina.
Preparados?
E que, portanto, ou eu paro com essa mania de ler – e de escrever, logicamente – ou acabarei afetado - e louco - muito em breve.
Nada tem a ver com meu conhecimento, com as oportunidades que estão surgindo, com o livro que lancei, com meus poemas que estão ganhando o mundo... É tudo uma questão de saúde. Preocupada como só, tratou de convencer meus parentes todos de que NÃO ler é o único remédio...
Como eu, porém, sou viciado e sem cura... continuo lendo. Agora escondido. O que pouco efeito tem, afinal, a vizinha sempre sabe... E não demora para que ela me denuncie e me encaminhe para uma internação compulsória (basta ela assinar um papel... a vizinha tem poder!).
Se eu internado for, por favor, conto com vocês.
Levem-me bolos, tortas e bolachas.
Sempre com recheios de Rimbaud, Woolf, Wilde e Flaubert.
Que, como a vizinha sabe, são os nomes de 'ameixa', 'banana', 'morangos' e 'doce de leite' em inglês.
(Lógico que a vizinha sabe!)
Um beijo para ela, inclusive, que já deve estar lendo esse texto antes mesmo de eu o escrever.
Que, como a vizinha sabe, são os nomes de 'ameixa', 'banana', 'morangos' e 'doce de leite' em inglês.
(Lógico que a vizinha sabe!)
Um beijo para ela, inclusive, que já deve estar lendo esse texto antes mesmo de eu o escrever.
"O quê? Ele está lendo de novo? Mas tem gente que não quer ser ajudada mesmo...." |
Todo mundo tem uma vizinha dessas, ah se tem. Um linda homenagem.
ResponderExcluirCinema alemão pós-expressionista é bom demais.
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