terça-feira, 13 de novembro de 2012

Quereres


É que no fundo eu começo a me sentir um piá de merda.

E piora, piora muito quando eu tomo a consciência de que, aos 24 anos, eu tenho direito de ser um piá de merda. Mas é que assim não me querem. 

Não me querem embarcando em um ônibus e mandando o motorista parar só quando eu cansar de olhar trigo e céu. Não me querem na cidade grande, passando fome e dividindo aluguel. Não me querem ganhando gorjeta em um bar imundo enquanto sonho em conquistar o mundo com dez versos e duas canções. Não me querem bêbado na praça gritando “all you need is love” às duas horas de uma manhã.

Não me querem como um sonhador, como um menino de nuvens, como aqueles que fracassam acreditando na putaria da arte. Não me querem fazendo curtas independentes e escrevendo contos que ninguém lê. E que quem lê não entende. Não me querem nas sarjetas. Por quê? Não me querem colorido de ilusões, acreditando até envelhecer, até perceber que é, não deu. Até engavetar tudo, até trancar e ir viver como os outros. Não me querem. Em lugar algum me querem.

E há o que eu não me quero também. Não me quero contando sempre os mesmos passos de casa à sala de aula e às balas necessárias para morte inevitável. Não me quero envelhecido e fraco, de terno gasto e gravata, sendo respeitado por qualquer coisa que disse uma vez. Não me quero sem sonhos, sorrindo das coisas bobas da juventude enquanto pago a escola das crianças. Não me quero assistindo os filhos voltando, trazendo livrinhos, enquanto penso que eu também já os quis escrever.

Não me quero dizendo que fui bobo e que agora sim sou correto e professor e sério. Não me quero contando quantas turmas eu tive e quanto tempo falta para a digníssima aposentadoria. Não me quero pigarreando alto, suando quente e dizendo “modernismo, minha gente”.

O que me quero?

Quem disse que me quero?

Não. Alguém assuma. Eu já não me quero mais.

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