Ele chegou com todas as malas de quem vem para ficar. Abraços dados, sorrisos lindos, uma conversa de embalar sonhos...
Ele chegou e transformou a casa toda. Houve riso, alegria, esperança, ousadia... Com ele veio uma felicidade impossível de explicar. Uma felicidade que espocava nos cantos e só podia ser traduzia mesmo em brilhos de ofuscar.
Quando ele chegou, foi tratado como toda boa visita. Cardápio especial, passeios planejados, o melhor quarto da casa, o direito de escolher a programação da TV e o horário do banho.
As contas foram crescendo. Era mais uma pessoa na casa e ele não dava mostras de querer partir.
Tentaram, então, retornar ao feijão com arroz, resumir os passeios à vizinhança, convencê-lo a não demorar tanto no banho... Tudo em vão. Ele exigia o melhor.
Passou em dois tempos de alegria a incômodo.
Perguntaram, casualmente, se ele pretendia ficar muito mais... “Para sempre”, ele respondeu, satisfeitíssimo e gordo (engordara muito desde a chegada). Fingiram alegria, mas no íntimo, cada um não via a hora dele partir.
A segunda investida foi mais direta. Perguntaram se ele não planejava ajudar na casa: pagar luz, água, comida... Qualquer conta paga seria bem-vinda. Ou pelo menos uma mão na faxina...
Ofendeu-se. Ele fez, então, um discurso muito longo e ultrajado sobre o quanto eles eram materialistas e mesquinhos. Mesmo assim, nem por chantagem ameaçou ir embora.
Naquele dia bateram-se portas e os últimos resquícios de brilho se foram.
Na manhã seguinte, o convidaram para um passeio de reconciliação. Enquanto um o distraía na sala, os outros empacotavam, ligeiros, as coisas todas dele e as carregavam no carro.
Finalmente o passeio... Foram todos. Foram longe e foram para bem dentro de um descampado.
Quando chegaram lá, o descarregaram. Do porta-malas tiraram todas suas tralhas e despejaram ali mesmo, sobre a estradinha de terra. Ele que ficasse! E que não voltasse jamais ou o próximo destino seria outro! Entendera? Outro...
Enquanto voltavam para casa, satisfeitíssimos, a menorzinha deles verbalizou o sentimento geral:
— Foi-se tarde. Bem tarde. Fizemos o melhor a se fazer. Não que o Sr. Idealismo não seja boa pessoa... Mas quando ele não nos ajuda em nada, nem nas contas a pagar, a melhor atitude a se tomar é mesmo desfazer-se dele.
Não antevi esse final, mas está muito bom, mesmo!
ResponderExcluirUma pedrada no charco, este texto, muito inteligente!
Beijo
Isa Lisboa
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Tem esperanças que também precisavam dar umas voltinhas.
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