domingo, 28 de setembro de 2014

Só pelo pão

É noite e saio para comprar pão, mais pela possibilidade de molhar os pés. A padaria é do outro lado da rua e chove. Todo domingo chove, como se a chuva viesse para me lavar a frustração antecipada de cada segunda. Lá fora as luzes estão acesas e a rua molhada sempre me lembra da infância. Eu vou, troco umas palavras com o dono da padaria, alguma coisa sobre o time dele ter empatado. Time que eu não sei qual é. Eu não olho jogos. Nunca. Eu antes estava escrevendo, à luz de uma vela verde. Mas isso eu não posso dizer pra ele. Nem pra ninguém, na verdade.

Eu pego o guarda-chuva e atravesso a calçada de volta. Ainda mais lento, com o pão na mão. Eu sempre recuso as sacolas. Na verdade, eles não oferecem mais. Eu ando lento porque imagino como seria ficar ali, na rua, na calçada, na escada de casa. Ficar ali deixando a chuva gelada escorrer pelas minhas pernas, pelos meus pés, o guarda-chuva cobrindo o resto do corpo. É um pouco como desistir. Como encontrar o silêncio que eu não encontro aqui. Há muito barulho. Especialmente por dentro. Lá fora tudo é calmo, tudo é chuva e só a sensação importa.

Lá fora até parece que a segunda não vem. Mas ela vem. Ela sempre vem, com sua falta de promessas e a frustração básica de se ir para onde não se quer. Sim, às vezes vamos aonde nos mandam. Às vezes nos mandam tomar no cu. Segunda é isso. E todo domingo chove. E toda segunda de manhã também. Eu já me acostumei. Já encaro como algo que faz parte da rotina. Assim como eu ser um pouco triste e um pouco só. Faz parte.

Entro em casa, deixo o pão sobre a mesa e volto a escrever. Dessa vez com a vela apagada. Escrevo melhor quando escrevo assim, de mim, não com a vela apagada. Mas isso não importa agora. Eu tenho que fazer com que não importe para poder escrever mais, ainda que pior.

Meus pés secam das últimas gotas de chuva e depois tudo se apaga, como se apagou a alegria da tarde, como se apagou o filme na tv, como se apagou a música que me devorava aos poucos. Tudo se apaga, como um dia se apagarão as segundas-feiras, derretendo como o concreto derreteu no meu sonho, corroendo torres de igreja e prédios inteiros.

Que derreta tudo que é concreto, mas que se poupe o abstrato, especialmente o das minhas palavras. Elas são preciosas. São, porque um dia me tirarão daqui e das segundas-feiras que agora odeio.

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