quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Uma peça

Hoje, saltou-me aos olhos o texto da Martha, no ZH. Segundo a cronista, agora, todas as peças de teatro anunciam-se como comédias, pelo medo de não encher a casa se anunciarem algo mais profundo, que em vez de fazer rir, faça chorar, faça pensar, faça se angustiar.

Eu sou o exato oposto. No passado, já me acusaram de ser muito profundo, muito grave, melancólico mesmo, anunciando a tristeza de longe, em verso e prosa. Isso sem me conhecer. Sem nunca me conhecer de verdade. Como se eu fosse um pouco peso, um pouco Clarice. Como se eu fosse o próprio cão negro da depressão, caçando incautos.

Eu me anuncio como tragédia, é bem verdade. Mas de longe. E é, de repente, pelo exato motivo que ressaltou a Martha. Comédia atrai mais gente, tragédia afasta. Eu sempre quis afastar, por isso a propaganda enganosa.

Sim, enganosa. Quem chega perto, compreende logo que sou outro. Que há riso nas minhas peças e peças no meu riso. Sou outro e esse outro é quem me domina fora dos meus textos, longe das minhas lágrimas de papel. Esse outro que ri, que brinca, que é quase o centro da festa. Sou outro quando me permito ser.

Tanto, que uma colega – que nunca havia me lido – destacou outro dia: “Nossa! Que lindo aquele teu texto sobre a chuva. Eu conseguia te imaginar.... Mas fiquei esperando acontecer alguma coisa, uma resvalada, um tombo, um tropeço. Seria mais teu estilo, uma coisa engraçada.”

Sou shakespeariano ou pastelão? Já não sei. Acho que isso depende de quão perto você está disposto a chegar.

Independentemente dos anúncios que lanço, meu teatro sempre acontece por dentro dos olhos.



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