Você nunca tem como saber. O que
se passa dentro do outro. O outro é mistério. Mais do que o eu? Talvez mais.
Você nunca vai saber o que uma frase, um olhar, uma, só uma noite, uma lâmina
cega, uma ameaça vazia, você nunca sabe o que isso pode causar no outro. O
outro é profundo sempre e não se mostra nunca.
Você não pode saber da música que
ele canta por dentro, do livro que escreve em si todos os dias. Você não pode
saber dos traumas que o corroem por dentro, feito ratos em edifício abandonado.
Você não pode saber dos comprimidos que o outro esconde, parcimoniosamente,
desde o dia em que decidiu tomar todos juntos. O outro é abismo. E abismo que
não olha de volta, desvia o olhar, o esconde por trás de lentes espelhadas.
Você não sente o que o outro
sente. E o mundo, meu Deus, é sentir. É sempre sentir, independente do que
aconteça, independente do que diga a razão. O mundo é o que se faz por dentro.
E o dentro do outro você não conhece. Você não pode ver. Você não pode entrar,
por mais que bata.
Você não sabe da pulsação
acelerada, da arritmia, da falta de ar. Você não sabe porque sangue, coração e
pulmões ficam por dentro. Você não saberá nunca, a menos que o outro fale. E o
outro não fala. É cofre com senha perdida. Ou há senha e você não a sabe. Há
uma palavra, na verdade, que faria o outro se abrir. Mas ele não a diz. Não a dirá jamais.
Você não sabe a tortura que uma
coisa simples, banal, pode ser para o outro. Ou você sabe porque também a
experimenta com fobias inofensivas, mas você finge ignorar. Você finge, por
puro egoísmo, que com os outros é sempre diferente. Você finge que ele não
pediu ajuda já. Finge que ele não mencionou alguma vez, indiretamente, o que
aconteceu, as janelas fechadas, o descontrole, a sensação de ódio maior do que
a própria sensação. O outro é sempre indireto e isso como que autoriza você a o ser também.
Você nunca sabe o que é a arma apontada
para a cabeça do outro. Mesmo a arma invisível e inútil, sim, porque o outro se
mata antes, por dentro mesmo. Se intoxica com o que sente, fica a ver o mundo rodar, a
bile amarga enchendo a boca, o coração explodindo no peito. Por nada. Por nada, você pode dizer.
É, mas você não sabe que monstros há no nada alheio. E você nunca vai saber, não enquanto o outro deixar você do lado de fora, sozinha como uma criança perdida no escuro.
que texto magnífico...o outro é sim um mistério,um complexo mistério,um tesouro,um abismo,um infinito!
ResponderExcluirAndo não sabendo, no fundo de mim e dos meus abismos, o que juro saber e não verbalizar. Ando com saudades de escrever uma grafia liberta de mim. Completamente liberta de mim.
ResponderExcluir(Andei com saudades de "beber" das suas letras, por isso passei por aqui).
Bjs,
S.