quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sábios e Sabiás

Por não confiar demais em mim, procurei aos Sábios Manuais. A primeira coisa que eles me disseram foi: corte do seu texto todos os adjetivos. Porque eles eram sábios e manuais, eu acreditei que isso seria bom.

Com tesoura de poda eu persegui e capturei meus adjetivos mais sublimes. Com dor de pai cortei os “defeitos” pujançosos dos meus escritos. É para o vosso bem, repetia às linhas mal cicatrizadas e ainda meio sangrentas. É para o vosso bem...

Não satisfeitos, os Sábios Manuais me disseram outras coisas mais. A cada proposição iluminada eu me encontrava mais escurecido e mal talhado. De repente tudo que eu fazia era desrespeitar a notável arte das Belas Letras. Todo torto, passei a escrever de dedos bem amarrados, unhas usando cabrestos.

O resultado era sempre uma idéia truncada, um texto capenga e amarfanhado. Mostrei aos Sábios o resultado. Emendaram as rugas da testa e retorceram o nariz, num arremedo de cara de nojo. Não. Não é bom.

Mandam que eu remodelasse as frases vãs, excluísse os temas obscuros, eclipsasse o “eu-lírico” e ocultasse meu narratário. Fiz. Fiz à risca seus textos de forma feita. Depositei palavras no molde caro e desinformei textos disformes.

Os Sábios Manuais novamente me hostilizaram. Não, não. Então você não entendeu nada e nem serve para nós ou nossas musas. Fora do templo! Saí chutando pedrinhas de ardósia.

Agora, pensando um pouco, percebo que os manuais nada sabiam de mim e que sequer sábios eles eram. Enganação. O templo era barroco e as musas impostoras cortesãs. Ah, enganação dos que afastam os fiéis. Belas Letras são as minhas, pois não, adjetivadas e resplandecentes de ouro em pó.

Voltei. Agora voltei para suturar as frases e ser surdo aos supostos sábios. Voltei só com voz, para retomar de vez o canto arbóreo dos meus sabiás enfeitados e ricos e vãos e tremeluzentes de tanto eulirico transbordante. Voltei para ser eu e escrever esquecido de quem lê com o cenho torto e amassado. Voltei para cantar a inutilidade da vida, o descaso do texto, o amor às palavras que escondem segredos. Voltei para ser concha de pérolas arcanas. Voltei para ser eu, sem sábios nem manuais, só um escritorzinho qualquer. (Escritorzinho num sentido mais que carinhoso...)

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Texto ainda na Ficções. Clique aqui para ler e comentar (ou recomentar... ou recomendar...).

3 comentários:

  1. Antes que me corrijam eu aviso. O segundo eu-lírico não está errado. É que eu tenho mesmo um eulirico (e paróxitono).

    Abraços.

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  2. Pois é, acho que entendi à flor da pele o que você quis dizer. Realmente muito bom!

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