segunda-feira, 8 de março de 2010

Grotas Gretadas sem Gotas Caídas

Eu aguardo, feito nordestino, que caia chuva em meu sertão. Há dias estou aqui, seco, hirto, olhando nuvens com cobiça santa e gula nova. Só uma gota, uma gota despencada do olho me salvaria a vida e me mataria a sede.

Uma gota me mataria. Uma gota me salvaria. Sede, eu tenho a sublime sede de choro. Meus olhos incham e ardem e se avolumam e turvam o mundo, mas não choram, são olhos duros, sujos, secos e gretados.

Feito retirante, eu não sei o que fazer com a vida que fica, murchando, torrando no sol que arde. Sem chorar eu não consigo lavar a terra para ver se há mudas em algum lugar. A água é santa e qualquer lágrima é bálsamo. No entanto, há esqueletos meus por todos os lados, vidas que morrem enquanto não chovo.

Eu apóio baldes nos cantos da casa, espalho bacias para amparar as goteiras, cavo valetas em torno de mim. Porque quando chover... Quando chover haverá enchentes. Jogo sal no céu, mas nada. Só o sol ardendo no enorme manto azul-esbranquiçado.

Os mandacarus sem flores, o vento sem correr morro abaixo, o inchu sem abelhas, o jucá sem frutos, a algaroba sem baba e a tacaca sem botar os rebentos pra fora. Esse mês, seu moço, não chove não.

Esse mês não chove e que faço eu de tanto choro represado, de tanto sentimento trancado, de tanta nuvem encardida aqui dentro? Espero. Espero para poder dar água pro meu sertão. Só torço para que, quando chover, a água ainda tenha o que salvar.

5 comentários:

  1. "Mas é preciso ter força
    É preciso ter raça
    É preciso ter gana sempre
    Quem traz no corpo a marca
    Possui a estranha mania
    De ter fé na vida..."
    Amo tu!
    Bjos!

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  2. Sim, você deve chorar se não, suas palavras estancarão nos lábios ressequidos e a língua ficará presa na boca que murchará, definitivamente impedida de pelo menos maldizer a chegada da próxima estação.
    Adorei ler você.

    BeijooO'

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  3. "Glorioso São José
    Glorioso São José
    Dai-nos chuva em abundância
    Glorioso São José"

    Colando um comentário feito ao texto na Casa do Escritor:

    (por)Edilmar:

    Texto primoroso.

    Gostei da fidelidade e do cuidado em retratar na narrativa cada detalhe significativo e simbólico dentro da perspectiva martirizante de um nordestino, ainda esperançoso pela reversão de seu drama.

    Embora o título já antecipe que a paisagem árida e morta permanerá inalterada, existe uma relação de oposição entre seca e chuva, onde esta última poderá anular a primeira, mesmo que aconteça de maneira tardia.

    O que chama atenção é o fato do sertanejo não se colocar passivo diante da situação apresentada:


    Eu apóio baldes nos cantos da casa, espalho bacias para amparar as goteiras, cavo valetas em torno de mim. Porque quando chover... Quando chover haverá enchentes. Jogo sal no céu, mas nada. Só o sol ardendo no enorme manto azul-esbranquiçado.

    Março é um mês crucial para os nordestinos que habitam o polígono da seca.
    Há um consenso regional que elege o dia 19 deste mês (dia de São José) como prazo limite para que a chuva caia sobre o sertão, caso contrário, entra em vigor a certeza do prolongamento da seca por mais um ano.


    Para ir à comunidade:
    http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=96776679

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  4. Anjo, querido, me desculpe!

    As vezes penso em escrever mais só para que não hajam leitores frustrados em meu blog! Mas não é fácil assim... inspiração tem me faltado, e eu exijo demais de mim mesma...

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  5. E parabéns pelos teus textos e pelas inspirações.

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Obrigado pelo seu comentário.