sexta-feira, 29 de junho de 2012

A casa de cada um


Comentava eu uma vez, a estranha vontade que tinha de estar em casa. E não só quando longe dela. Ria eu do meu próprio absurdo: dentro do meu quarto, às vezes, me flagrava dizendo: "Quero ir pra casa", como se em casa não estivesse.

Então disseram-me assim: É que a casa tu carregas dentro de ti. Não importa onde estejas. É preciso que sintas estar em casa.

Naquela noite, antes de dormir, investiguei o que havia dentro de mim.

Encontrei florestas noturnas, repletas de sombras e uivos e laivos. Mistérios que dariam até medo de imaginar. Vi olhos vermelhos espiando-me no meio dos arbustos, farfalhares de folhas sobre os pés de bichos ligeiros. Nesgas de asas prateadas, corujas enormes. Pegadas de leões ou de gatos bem grandes.

Adiante disso encontrei cidades fantasmas. Restos das minhas próprias demolições. Prédios desabados, casas queimadas, paredes em ruínas, pedras e pós e paus cobertos de teias e dourados pelo sol sempre poente. Nas ruas buracos tão profundos quanto o inferno. Por todos os lados ferros retorcidos e o silêncio de machucar.

Depois dali encontrei mares de ondas paradas, profundos como a imensidão da noite, repletos de sal, de peixes brilhantes e cantos distantes. Sob as águas, carcaças dos meus navios naufragados, algas e sereias mortas e os reflexos de minhas três luas.

De tudo eu pude encontrar dentro de mim. 

Menos a casa. 

A tal casa onde eu sempre ansiava por estar.

E percebi que se eu quisesse encontrá-la, precisaria construí-la. Com as pedras das demolições, com as madeiras da minha floresta, usando água e areia do fundo do meu próprio mar. 

A casa não vem de graça. Não vem sem dor. Não vem sem esforço algum. A casa é tudo. E a casa se constrói. E ninguém vai te ajudar. Porque ninguém pode, de verdade, entrar dentro de ti.

Desde que eu descobri isso e algumas coisas mais, eu tenho feito minha casa. Do jeito como eu sempre imaginei. Do jeito que eu gostaria que ela fosse. Do melhor jeito que eu sei fazer.

Outro dia uma amiga, olhando de fora, já disse: falta só o telhadinho.

E é verdade.

Disse mais: tua casa é tua realização.

E estava certa também.

Agora, mesmo faltando o telhado - e quem sabe mais uma demão de tinta - eu já consigo sentir-me em casa.

Eu já consigo, finalmente, morar dentro de mim.

3 comentários:

  1. Observação: todo e qualquer pleonasmo é proposital... "entrar em ti" ou "ir para dentro de ti" não deram, de forma alguma, a ideia que eu precisava. A liberdade poética me autoriza, portanto, o "entrar pra dentro de ti".

    (Não façam isso em casa!)

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