quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Era uma casa...

Tenho inveja, porque na sua casa ninguém entra, então ela é tão Sua. Essencialmente Sua. Ela te pertence, como poucas coisas jamais te pertencerão. Na minha todos entram, pés enlutados, trazendo a poeira da rua. E há guardas, e há armadilhas, e há alarmes, tudo só para casa não ser minha demais.

Na minha sala todos sentam, conversam alegres, das próprias vidas. Quase esqueço que não sou um móvel. Uma poltrona estranha e decorativa sobre a qual ninguém sentou. Eles bebem chá e deixam marcas sobre o tampo da mesa. Marcas que eu não posso tirar. Nem com lustra móveis, nem com cera ou com verniz. A sala nem mais é minha, é deles.

E é para eles que eu penduro as cortinas bonitas, tiro os pêlos do tapete, arrumo as almofadas no sofá. É pra os outros que eu me fervo todo, junto às folhas de laranjeira, que depois entronarão com o chá. Quando vão embora me deixam as migalhas de bolo, os farelos de pão, a terra das botas. Os restos, enfim. E eu quase me alegro com isso. Satisfeito que sou em chafurdar o lixo alheio.

Se minha casa fosse minha, minha e só, então eu... Ah, que besteira... Eu não saberia o que fazer com a imensidão de uma sala sequer que me pertencesse. Mas a sua casa é tão bonita, e tão Sua, desde a escuridão da noite até o findar do dia. Sabe... Às vezes eu venho aqui escondido, só pra fingir que a sua casa ainda é também a minha.

Um comentário:

  1. OBS: "Essencialmente Sua. Ela te pertence"

    Antes que alguém comente, sei que não se mistura "sua" com "te", mas dá licença que a escrita é minha!

    Obrigado.

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