terça-feira, 15 de outubro de 2013

Qual o meu papel como professor?

Há professores cujo papel é celofane. Visto de longe, o celofane é lindo, enfeita, dá cor, brilha. Quando manuseado, ele faz barulho, canta vantagem, chama a atenção sobre si e sobre suas qualidades. De perto, porém, percebe-se que seu conteúdo é pouco e sua transparência muita. O celofane é fino, corta-se facilmente, perde a cor com qualquer umidade e, de mais a mais, incorre em uma falsidade: faz de conta que é plástico enquanto, na verdade, tem a mesma celulose dos outros.

Há professores cujo papel é jornal. Algum dia, eles receberam, em letras de imprensa, o que havia de mais novo sobre sua área de conhecimento. E isso lhes bastou. Esqueceram, porém, que o mundo se renova e que, portanto, atualizar-se é preciso. Depois de impresso, o jornal precisa se reinventar para sobreviver, ser dobradura, papel que embrulha porcelana ou mesmo que forra a gaiola de passarinho, o que não se pode é parar. Caso contrário, não haverá utilidade para as notícias de ontem.

Há professores também cujo papel é pardo. São do tipo mais usado na escola, simples, sem brilhos, sempre com os mesmos tons, sempre com as mesmas funções, sempre nos cartazes mais simplórios, rodeados por alunos que não cansam de perguntar: “Mas não há cartolina na secretaria?”

Há professores cujo papel é timbrado e reservado exclusivamente para documentos oficiais. Tudo que neles se escreve vira lei, imediatamente, sem pontos de discordância ou rasuras, sem revisões, correções ou remendos. São eles os detentores da verdade absoluta, com assinatura embaixo, carimbo vermelho e “faça-se cumprir”. 

Há professores, ainda, cujo papel é higiênico. São macios, sedosos, sempre à disposição de uma carícia na pele ao enxugar uma lágrima aqui e outra acolá. Tudo eles absorvem e relevam e compreendem e confortam. São servis com quem chegar. Esquecem, porém, para que foram inventados.

Papéis, papéis, papéis. O sulfite tem múltiplas utilidades. O carbono se restringe a copiar tudo que lhe mostram. O papelão pode ser inflexível. O de presente é sempre decorado. O reciclado é feito de muitos outros. Papéis, papéis, papéis. Mas afinal, em qual eu me encaixo? De que papel é feito o professor que eu sou?

Olhando para os lados percebo a resposta. Há rascunhos desse texto sobre minha escrivaninha. Sou do tipo de professor cujo papel é esse mesmo, o de rascunho. O rascunho já teve seu momento, já recebeu as letras que precisava receber, porém não se restringiu a isso. O rascunho está pronto a novas escritas, a novos e múltiplos desenhos e até aos rabiscos feitos enquanto se telefona. O rascunho sabe que não está pronto e aceita com ânimo o que lhe imprimem, preservando para a próxima versão o melhor. O rascunho permite rasuras e refacções. Até mesmo as incentiva. O rascunho não é definitivo, nem pretende ser, aprimora com humildade tudo que nele é posto. Papel de rascunho. É esse o meu papel como professor. Espero que o seu também.