terça-feira, 31 de março de 2009

Quebra-cabeça de sem peças

"Lights will guide you home"

Minha cabeça é uma profusão de idéias soltas. São coisas insanas chacoalhando e fazendo um barulho que não me deixa dormir. Elas vêm de véus, girando, gritando e se agarrando umas às outras.
Eu só queria ter menos dúvidas do que certezas, ser mais livre e menos dependente. Eu só precisava saber onde queremos chegar, e qual caminho é o melhor.
Eu queria noites mais longas de se dormir, sonhos mais soltos de se viver. Ah, e eu queria menos. Menos responsabilidades, menos compromissos, menos coisas.
Eu só queria o nada. O nada em uma floresta escura, porém placidamente acalmada.
u queria não ver o azar nas cartas de ler sorte.
Desejos, desejos, desejos de um ser sempre incompleto.


sábado, 28 de março de 2009

Sala de vidro em torre de marfim

Chamaram-me eles à sala de vidro, onde não se que estar. A moça sorridente, vestindo verde por trás do balcão, estendeu a mim o papel e disse mais ou menos assim:
— Aqui está a sua passagem.
Eu pedi a passagem, mas da primeira vez ela não veio. Então eu pedi novamente, aí me entregaram. Ao recebê-la não soube ao certo o que fazer. Há os que por ela choram, rejeitam-na. Por querê-la, deveria me alegrar. Mas era coisa de entristecer, dizia assim a formalidade convencionada. A moça, depois de minha pausa dramática, prosseguiu:
— O senhor embarca no dia 17 de abril.
Titubeei. Uma coisa é querer, oposto é ter. Eu queria a passagem como sonho remoto, agora ela era concreta, papel nas mãos, suor nas mãos. Nervosismo de ver realizado um sonho sobre o qual não se tem mais muita certeza. Os antigos mandavam tomar cuidado com o que se deseja, agora entendi. Entendendo indaguei, depois de engolir o medo:
— Desculpe, moça, mas qual é mesmo o destino?
— Sinto não poder informar.
Ela disse sorrindo, como se fosse natural dar uma passagem para destino incógnito.
— E a volta?
— Então o senhor não vê? É uma passagem só de ida.
— Para lugar desconhecido?
— Exato.
— Mas isso pode ser qualquer lugar...
— Isso mesmo. Acabo de lhe entregar sua passagem para qualquer lugar, do Inferno ao Paraíso.
Do inferno ao paraíso. As mãos tremeram. Pensei no purgatório, é ele que há entre o inferno e o paraíso. Mas aí notei que era metafórico. Desistir da viagem seria covardia, como foi covardia pedir a passagem para fugir daqui. Entre um score de uma ou duas covardias, optei pelo primeiro. Ficaria somente com uma na cota, justificável. Além disso, disse a todos que eu sairia dali, não podia desapontá-los, sou homem de uma só palavra.
— Se o senhor desejar pode embarcar antes do dia 17, mas daí poderá levar somente uma parte da bagagem.
Não parecia uma boa opção.
— A data está ótima.
Quanta apreensão até lá, quanta angústia e quanta noite sem dormir. Serão dias e mais dias, horas e mais horas, sabendo que o desconhecido me espera abaixo da torre de rico marfim.
Na hora penso em minhas caras cartas de adivinhar, penso em perguntar a elas para onde vou, mas elas já nem falam mais comigo. A moça fala:
— Posso ajudar em mais alguma coisa?
— Não, obrigado.
Agradeço e saio, sem nem quebrar os vidros.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Sol de (nem quase) desembaralho

Para (jamais) ouvir ao som de Capullito de Aleli

Eu (quase) estou feliz. Assim como seriam felizes todos aqueles (que como eu) esperam. Quando o telefone tocou (de número desconhecido) eu bem pensei que fosse ela (a vida). A Vida é carta (rara) de um só dos meus tarôs, porém, A Morte está em todos eles (onde O Sol?).
Aos primeiros acordes do telefone, preparei dentro de mim uma alegria (descabida), que por não caber nem no peito (nem no tempo), não chegou a ser. Ainda assim, houve o formigamento que brotou (verminúsculo) no meio do peito.
Fui (quase) feliz. Mas minha felicidade é pecado pesado demais para Ele. E porque não quer me ver pecando (no auspício paraíso), coloca-me num inferno (desmedido).
(“não existe pecado do lado debaixo do Equador”)
Por que meus risos (de quatro sisos) ofendem (tanto)? Que bálsamo (amargo) lhe trazem minhas lágrimas (ressequidas) a ponto de Ele as desejar (com avidez desvairada)?
Eu esperava uma ligação como aquela (que você espera), capaz de mudar O (nosso) Mundo (vide carta 21, em anexo). Mas o pastor da rua grita (“Sua felicidade é importante para Deus”), deixa-me então. Deixa-me (tonto e/ou louco), porque realmente ela é importante a Ele, (tanto) a ponto de ofender sua paz (celestial). De tanto ser quase (quase quase quase quase quase ...) feliz, já sou triste.
(“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe”)
(Mas) Fato é que a ligação nunca é a que se espera. A voz (de moça) do outro lado não era a voz que eu esperava ouvir. (nunca é). As coisas que disse essa voz não eram as (coisas...) que eu precisava escutar.
Não foi por isso as velas no altar (os joelhos ainda dormentes).
Não foi por isso os sussurros (insanos) nas ruas em noites (tão escuras).
Não foi por nada disso a minha métrica (fluídica).
Ela me ligou e sua ligação (comum) eu não queria. O sentimento (para que entendam) é o mesmo de um mendigo, a quem dessem pão, quando o que ele queria era dinheiro (para comprar cachaça). Não quero pão. Quero circo (e champanhe, por favor). Mas (nem) sequer pão me deram. Ligação de insignificância, quando o que se espera são dois sóis.
(“Mas você pode ter certeza, de que seu telefone irá tocar”)


terça-feira, 17 de março de 2009

Inside

"Se me der na telha sou capaz
De enlouquecer
E mandar tudo pr'aquele lugar
E fugir com você pra Shangrilá"

Todos os soldados dentro de mim. As panteras negras e os pumas alvos, espiando pelos buracos dos meus olhos; como se fossem seteiras rudimentarmente castanhas. Há baratas correndo na parede dupla de minha carne. Ratos no porão, raposas no telhado, macaquinhos no sótão. Há saltimbancos saltando nas veias e arlequins dançando em algum lugar do salão. Há nos cabelos moscas varejeiras e nos lábios borboletas voadeiras. Escondidos em mim os assassinos, fugitivos de meus demônios. Não, não há anjos em meus domínios. Há zeladores zelosos em cada porta: de mim ninguém passa! São palhaços presos na roda gigante, putas paradas nas sombras tristes das ruas. Crianças de rostos preocupados e velhos sem dentes chupando pirulitos.
Em mim todos residem, resistem, imóveis vegetam. É o grasno das aves que falta, é a dança das ciganas que se ausenta.
Falta vida, movimento, falta tudo e ninguém aqui dentro faz nada.
Avante, meus marinheiros, comecem qualquer motim... pelo amor de Eus.


sábado, 7 de março de 2009

To Be

“Escuta: Eu te deixo ser, deixa-me ser então.”

O problema é que vocês, rondando minha vida, não me deixam ser. Ser o quê? Este é o problema, ser simplesmente. Porque a presença de vocês exige que eu seja alegre ou triste, homem ou menino, bondoso ou mau, calmo ou destemperado... A presença de vocês só traz adjetivos e não os quero. Quero a calma de me perder no campo insondável desta casa e ir sendo ao passar das horas. Como é uma samambaia, como é um dos gatos sozinho.
Eu quero ser o que nas definições não cabe. Mas não aquilo que não cabe por transbordar, transpassar, quero não caber por estar aquém, por ser ínfimo, incontível, inguardável. Mais ou menos como poeira perdida no vendo, que sozinha é. Que não se pode (nem se quer) capturar. Somente juntada a outras ela toma volume, ganha corpo, ocupa espaço. Lá vem uma mulher com a pá juntar a sujeira que varre. Junta ela é poeira, sozinha ela é.
Eu quero ser, como a sombra solitária e vaga, como o fantasma insólito e invisível. Mas como, se já vem me exigindo mais? Me exigindo ações, reflexões, pensamentos, frases inteiras. Deixem-me no meu papel de leitor, observador, mudo diante o texto. Não me tornem narrador, menos ainda personagem. Eu quero ser, longe de tudo isso. Deixem-me só, só por hoje só. Tratem-me como o xaxim do mato, que se receber cuidados, morre. Tratem-me como ao anão do jardim, que todos deixam simplesmente ser, sem nada exigir.