quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Do céu

A folha branca me deprime. Faz lembrar, talvez, de um tempo em que ainda havia o que ser dito. E é por isso que eu digo, a dor faz o poeta. Eu queria poder voltar e negar um pouco do que aconteceu, trazer de volta alguns quadros que deixaram manchas na parede, depois que sumiram. Eu entro em becos buscando algo que eu perdi. Todos buscam, é verdade, mas ao menos os outros sabem o quê. A natureza humana me é cada vez mais distante, porque em minhas fases viro a noite e desperto fera. Desejando que tudo mude, que tudo seque e morra de uma vez. Eu decifrei o segredo da esfinge, mas não a queria morta dentro de mim. Há uma música que é triste e toca lá fora. Na certa ela encontrou o velho piano no meio da floresta. Havia lá perto uma catedral que eu nunca mais encontrei depois de demolida minha infância. Me sinto como se tivesse apanhado e como se tivesse batido. Num auto-espancamento que deixa marcas de flores mortas. Não queria mais me sentir assim. Alguém abra a porta, por favor, eu quero sair...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Natal

É natal, é natal. E Clarrisa me ganhou uma boneca de louça. Linda, é bem verdade, mas ela queria um tarot. Havia escrito isso, não lembra aonde, mas havia. Reclama com a mãe, mas de que adianta? Ela é muito nova para ter uma coisas dessas. E ademais, quem lhe ensinará a usar? As alminhas mãe, as alminhas. Não há conversa. Vista-se para a missa de uma vez, ou vamos nos atrasar. É natal, e você sabe como seu pai fica nestas épocas.
Sete anos. Ela já tem idade, a mesma idade com a qual eu comecei. Mas não foi um presente de natal, meu primeiro baralho. Veio de longe, bem além. E também foram Elas que me ensinaram a ler aquelas cartas, que quem mesmo escreve? Ah, Clarissa, pequena, tudo ao seu tempo.
A carta que lhe dou hoje é a primeira: O Louco.
Assim seja.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Broken

De repente ele sorriu. Ele tinha um plano. Agora, finalmente, sua vida se pautava em um objetivo. Era algo simples, mas bem elaborado em sua essência. A cada dia deveria quebrar uma coisa. Começou pelo vaso de cristal da avó. Achou interessante que de uma só peça se fizessem milhares, talvez milhões. Além dos cacos, ainda havia os grânulos, farelos e até o mais fino pó. Desde então segue rigidamente sua meta. Quebra qualquer coisa, uma por dia.
Galho, lápis, caneta, clips, calculadora, vidro, rádio. E lá se foi uma semana. Tudo que ele quebra se divide e, por isso mesmo, multiplica. Ele não tem mais um singular, ele tem plural. E os cacos preenchem sua vida.
Seu coração já é de cacos. A cara, perdeu a conta de quantas vezes quebrou. Mas joão é forte. Pensou em desistir quantas vezes... Mas agora ele tem um objetivo, uma meta.Vai dormir pensando no que quebrará no próximo dia e acorda pronto para fazê-lo. Há tantas opções sempre à mão. Um universo de pequenas insignificâncias que podem ficar ainda menores quando partidas. De algumas os outros sentem falta, mas de outras nem se apercebem. joão ainda vive, e só porque ele tem um sonho. O de um dia, em êxtase e glória, finalmente quebrar o pescoço.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Ayer

Clarissa,
Escrevo porque tenho saudade. Sinto falta do tempo em que teu nome era simples, Violeta. Aqueles dias em que as tardes de ler cartas eram mais brinquedo e fantasia. Hoje o baralho é cheio de corvos a me sussurrar maus presságios. Brincar com as alminhas já não é a mesma coisa sem você. Acho que de mim elas não gostam, não sei. Há qualquer coisa de seriedade no ar que me repulsa. Eu queria de volta tudo aquilo que o tempo nos roubou. Eu preciso, Clarissa, ter de volta a nossa inoscência.
Mas não posso.
Estou perdido em um labirinto e não sei como voltar para casa. Você, Clarissa, conhece o caminho? Ah, fomos tanto mais e não sabíamos. Hoje nos resta aquele espelho descascado que já não reflete quem somos. Busco em outras coisas os caminhos do teu riso, mas encontro sempre tua testa vincada a declarar-me perdedor de tua glória. Você percebe que nunca mais voamos? Eu também...
Voar me faz falta. Tanto quanto virar sombra e fazer poções de ervas roxas.
Mas já não há tempo, não há sabedoria, magia já não há.
E agora, Clarissa?

domingo, 25 de novembro de 2007

Os Gritos

De Ághata até a loucura me era boa. Daquelas que lhe inflamavam o ser numa tarde de terça-feira e fazia-nos deitar sobre as pedras do piso. Ela destramava suas sapatilhas das miçangas e me deixava brincar com seu colorido. Gostava de ouvir seus contos de fadas. Como nestas horas ela própria era fada, fazia as próprias histórias. Sempre gostei daquela da menininha de capinha vermelha que se perdia no bosque até encontrar sete anões. Eles, então, levavam a criança até uma casa de doces. Onde ela era trancada em uma torre pela bruxa má, que descia por um pé de feijão. No fim ela dormia por cem anos. “E o príncipe?”, perguntava-lhe eu. Mas ela já dormira por estas idas.
Porém, nem sempre éramos assim. Eu lembro de uma outra Ághata e desta chego a sentir algo tão próximo ao ódio que não poderia chamar de outra coisa. Seus olhos faiscavam ira, era, portanto, personificação de todos meus males. Eu sempre chorei quando Ághata gritou. Sua voz entrava pelos meus ouvidos e mais, penetrava nos poros, seu berro invadia meu sangue e gelava o coração. Ela sempre pedia que eu falasse baixo, pois quando era alto meu tom de voz, eles poderiam acordar... Quando ela gritava, eles acordavam. E vinham, como Fúrias a me perseguirem. Assim foi minha criação, ora às cores, ora aos gritos.
De amos eu tenho medos, distintos. Na época eu não sabia coisas que eu sei. Eu não identificava ali as marcas de suas psicoses e esquizofrenias, palavras que hoje encontro nas bulas de seus remédios. Ainda cultivo o temor aos gritos, eles acordam os que estão do outro lado, eles não me dizem outra coisa senão “Te odeio”.
Em pensar que para me ganhar é preciso tanto, mas para me perder basta um grito. Eles sempre lembram que ela me odeia, por tudo.

sábado, 17 de novembro de 2007

Sortilégio


Vem do latim sortilegium, composto de sortis ("sorte") e legere ("ler"). Como se vê, inicialmente o termo indicava aquele tipo de adivinhação em que o sacerdote ou feiticeiro interpreta os padrões formados por objetos jogados ao acaso sobre uma superfície (como búzios, ossos, dados etc.). Com o avanço do Cristianismo, estas artes divinatórias passaram a ser condenadas pela Igreja, e o vocábulo adquiriu o significado genérico de feitiço ou bruxaria. Da mesma forma que feitiço, sortilégio é muito usado, em sentido metafórico, para designar o fascínio e o encanto que o enamorado sente pela pessoa amada.