sexta-feira, 25 de março de 2016

Imploração

Eu sempre fui feito de sonhos. Muitos e mudos. Aos poucos descubro, porém, que eles são tão soltos que de nada adiantam. 

Não adiantariam nem mesmo se eu soubesse para quem pedir suas realizações.

Pedir é uma arte. A única que eu não conheço. 

Até meus quereres mais simples, meus desejos de poço, minhas implorações por sossego, por exemplo, só sossego, de poucos dias, meu Deus, sossego, até eles me são negados.

Nada do que eu quero me é dado. E deve ser porque eu não sei como e nem a quem pedir. Porque se eu falo, se eu rezo, se eu digo qualquer coisa, eu o devo fazer em uma língua morta. Junto com minhas preces, está sempre entrelaçado um feitiço de esquecimento. No momento em que eu digo algo, já nada se disse. 

E a cada prece esquecida, a cada sonho despejado com a água do banho, a cada dia em que nem o mais simples me é dado, eu me torno mais frio, mais distante, mais brutalmente feito de rotina e raiva. Até que só elas restem, justo elas, no meu coração que já foi todo feito de sonhos.



sábado, 20 de fevereiro de 2016

E chove em Tapera VIII



— Eu achei que ia chover.
— O quê?
— Quando você me ligou. Eu até achei que ia chover. Quanto tempo faz mesmo?
— Não sei...
— Tempo demais. Faz tempo demais. Por que agora?
— Olha... Eu precisava cumprir uma das minhas promessas.
— Que você não vai me contar.
— Não. Não vou.
— Você continua com seus mistérios...
— Eu achei que você gostasse deles.
— E eu gosto. Ou melhor, gostava... É só que eu já me desacostumei. Quando você estava por perto era sempre um ponto de interrogação.
— E agora?
— Agora minha vida é só vírgulas. Só continuações e continuações, tudo sempre igual, a vida imersa na mesma rotina de merda. Muita coisa mudou sem você. Ficou sem graça.
— De repente foi porque crescemos.
— Não foi. Ou pelo menos não foi só isso. Era diferente. Lembra da história que você ia me entregar em partes?
— Aquela que você disse que não era minha...
— É... Olha, desculpa por isso.
— Eu terminei. Há uns oito anos eu terminei de escrever.
— Mesmo?! Eu posso ler?
— Acho que não... Ficou ruim.
— Você disse que aquela era a nossa história.
— Por isso.
— Sabe, eu não entendo porque você me chamou aqui.
— Porque eu não tinha ninguém mais a quem chamar. E eu precisava cumprir uma promessa, já disse.
— Eu tinha me esquecido de como pode ser intenso.
— O quê?
— Ficar perto de você.
— Digo o mesmo.
— Tá, mas e agora?
— Agora o quê?
— O que a gente faz aqui, e sem chuva ainda por cima?