sábado, 30 de janeiro de 2010

Salve Berlin!

Dedicado a Angelo Ronaldo Caetano

Eu construí meu próprio muro de Berlin, orgulhoso que só da imponência dessa parede de tijolos armada dentro de mim. Meu muro tinha torres de observação, redes metálicas eletrificadas, cães finamente treinados e atiradores de elite. Tudo pronto para entrar em ação caso algum sonho tentasse escapar para a realidade. Eu estava assim divido: de um lado tudo que pudesse representar a esperança, de outro, armados, todos meus empecilhos e idéias truncadas.

Para cada sonho fraco, um impedimento forte.

De repente senti marretadas do lado mais frágil, olhei com fascínio: os sonhos se rebelavam.

A primeira marretada forte foi dada pela cozinheira que escrevia. Chegou-me as mãos um livro editado e publicado por uma cozinheira de 52 anos que mora no interior de Salto do Jacuí. Tereza, o nome dela é Tereza. O livro tem defeitilhos, certamente, que meus olhos treinados pela Dr. Vaima não deixam escapar, professor que sou.

Mas os defeitos são pequenos e poucos e somem, se comparados a grandiosidade das mensagens escritas. Tereza, agricultora, segunda série incompleta, possui um certificado de escritora, ganho em feira de livro.

Vinicius, 22 anos, professor a caminho de um mestrado, não tem um livro escrito. Comparações à parte, o que senti não foi senão decepção comigo mesmo. Não quero dizer que esta mulher seja inferior a mim ou o contrário... A diferença é que ela acredita no próprio potencial, ela luta pelo que quer, ela conseguiu realizar um sonho meu, mesmo tendo dificuldades bem maiores impostas pela vida.

A segunda marretada forte foi dada pelo cantor que tocava na rua. Assistindo ao filme Once vi o absurdo de se acreditar em um sonho. O jovem, que tocava seu violão na calçada, acreditou no próprio talento também. Conseguiu um empréstimo de 2.000€, investiu tudo em um CD de demonstração, sem qualquer certeza de retorno, sem qualquer luz de porta aberta.

Eu, envergonhado, percebi que não faria o mesmo. Eu não investiria uma grana assim em um sonho incerto. Não perderia dinheiro sem garantias. Não compraria minhas próprias ações, por medo de uma possível queda na bolsa.

Nossa, eu me disse embasbacado, então eu não investiria em mim? Não. Quem eu espero que invista então? Fiquei mudo. Eu percebi que só quando confiar no meu talento é que eu estarei pronto.

A terceira marretada forte foi dada pelo amigo que me chamou de babaca. Para cada lamentação ele me deu um tapa na cara. Ele conseguiu em poucos minutos mostrar o que estou desperdiçando por medo. Medo de levantar da cadeira e declamar meus poemitos. Medo de que venham vaias e tomates ao invés de aplausos. Medo de descobrir que sou minha própria farsa. Medo de viver. Medo de tentar. Medo de acreditar.

Conforme conversávamos, fui derrubando minhas máscaras. Uma a uma elas se quebraram no chão. Quero ser escritor? Ótimo. Tempo eu tenho. Talento eu tenho. Vontade eu tenho. Falta o quê? Coragem de escrever. Quero ser reconhecido pelo meu trabalho? Quero. Falta o quê? Coragem de me vender. Falta coragem pra tudo, sobra comodismo. Falta ainda aprender que as oportunidades são construídas, elas não aparecem nos puxando pela mão.

Marretada por marretada meu muro ruiu, bem depressinha. Como disse esse novo amigo: Salve Berlin! Em festa, confrontando-se depois de muitos anos, meus sonhos e minhas realidades se olhavam confusos. Então eles não eram mais inimigos? Não. Estavam do mesmo lado. Sentimento estranho esse de amar quem até então se odiava... Foi assim que me vi, todo unificado, percebendo que os meus sonhos são só realidades crianças, esperando a vez de crescerem. Passadas as primeiras loucuras da festa, reuni com cuidado tijolos e arames, ruínas do que fui. Chamei meus sonhos e minhas realidades, era hora de usar os restos do muro para construir algo novo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Azul Pelúcia

Porque a coruja nos contou, eu acreditei.

Antes de mais nada, é preciso dizer que a coruja é a mais sábia do quarto inteiro. Ela tem tanta importância, que fica em pé sobre um mundo. Além disso, ela é dona de um elefante de porcelana e um carretel de linha dourada. Não bastasse, ela ainda possui uma repartição da estante só para ela, enquanto nós precisamos dividir a nossa.

Pois bem, a coruja nos contou que, depois de quebrarmos, somos levados a um lugar por um enorme caminhão e lá somos transformados em pessoas. Na noite em que ela nos disse isso, fez-se na casa um enorme alvoroço. Uma vassoura que varria o quarto naquela hora espalhou pelos outros cômodos a informação.

Em breve deu-se a derrocada. As xícaras de porcelana tramaram um suicídio coletivo. Da maneira que puderam, empilharam-se bem na borda e promoveram um pulo fatal. Os pires, desolados, tentaram o mesmo, mas uma mão de mulher os salvou. A estátua nua bateu-se contra a parede e perdeu a cabeça. A santa com labirintite lançou-se da estante, mas, acostumada a cair, voltou do chão ilesa. Um dos vidros de perfume, enlouquecido, rolou para a borda da penteadeira; tudo que conseguiu foi quebrar o espelho, além de derramar-se todo.

Uma febre geral apossou-se da casa. De repente os objetos todos se queriam quebrar, tal era a graça que viam em virar “pessoas”. O duende, sempre desconfiado da coruja, foi às santas da cobertura, perguntar se era verdade o que dizia a ave de resina. As santas, no entanto, iluminadas por velas e cercadas de bronze, disseram assim:

— Não falamos com os mortais das prateleiras inferiores.

E tocaram-no de volta aos outros bibelôs. O duende voltou dizendo que as metidas também não sabiam. Tramaram então um plano infalível: jogariam o anjo de vidro prateleira abaixo, quebrando o coitado em mil pedaços. Depois disso, o anjo ficava incumbido de voltar, tão logo se tornasse pessoa, para confirmar se a teoria da coruja era verdadeira.

Passaram duas semanas, nas quais pouco falávamos. Cada movimento de cortina, cada batida de porta, cada pisada no assoalho, virávamos vívidos, pensando que pudesse ser ele: o anjo retornando em pessoa.
Outras duas semanas correram e nada de diferente aconteceu. A coruja, tranqüila, era a única que dizia com ar supremo:

— Acalmem-se... Ele volta...

Voltou. Na quinta semana exata o anjo nos apareceu, todo feito de carne rosada e com mais de metro e meio. Ele ria contente e mostrava a mobilidade que lhe garantiam os ossos humanos. Disse que sim, que era mesmo verdade, que depois de quebrar, ele foi levado a um lugar de muita luz e, quando deu por si, estava humano já.

Ficamos em silêncio estarrecido. À noite fez-se o debate. Que faríamos agora? Concordavam quase todos que a melhor opção era virar humano. Assim, um a um, lançaram-se para o chão.
A coruja ficou, dizendo enigmática que melhor mesmo era ser coisa. Gente é muito confusa, tem muitas necessidades e, quando quebra, não vira nada. Porque a coruja disse, eu acreditei. Também fiquei aqui, fiel ao menino que me comprou em seu décimo aniversário...

Bem....

Preciso confessar. É mentira. Queria dizer que fiquei por esperteza, por lealdade, por vontade...

Mas é mentira.

Só fiquei porque sou de pelúcia. Pelúcia não quebra.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Os Seguidores

Houve tempo em que o importante era ter uma lista cheia de contatos no falecido ICQ. Veio a evolução e bacana mesmo virou estar lotado de amigos no moribundo Orkut. Evolução de novo (nem Darwin explica) e agora o fundamental é ter milhares de seguidores no Twitter, ou mesmo no Blospot.

De repente isso me apavora. Percebam a transformação que houve... Primeiro os contatos, depois os amigos e, por fim, os Seguidores. Eu não quero ser o “seguidor” de ninguém, já tenho meu próprio caminho torto. Tampouco quero que me sigam, odeio o barulho de passos atrás de mim.

O rebanho segue os pastores, o rio segue o curso, a morte segue a vida, a sombra segue o homem, o bandido segue a vítima, o carro segue o trânsito, a primavera segue o inverno, ao céu segue o inferno... Vinicius Linné... ah, esse não segue ninguém.

Um Seguidor é coadjuvante passivo do caminho alheio. Segue e só. Sem perguntas, sem críticas, sem vontades, de cabresto em riste. Eu não sou um seguidor. Eu não quero seguidores.

Apesar disso, nomenclaturas à parte, sim, eu acompanho alguns blogs. Sim, eu tenho algumas pessoas poucas que me acompanham também... Sigo e sou seguido, querendo ou não querendo.

O que me apavora é o próximo passo. Qual será a próxima ferramenta a virar mania? Não consigo sequer supor, mas acho que o importante será termos milhões de “devotos”. Aí então seremos Deus.

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Pertinente ao assunto, um poema perfeito: Cântico Negro, de José Régio.
Só não colo aqui porque é longo demais e meus “seguidores” não tem paciência com textos longos. Mas leia clicando sobre o título ali... Vale cada minuto gasto.
Clicando aqui você tem também um vídeo com Maria Bethânia a declamar o poema.
PS: é ainda mais tocante se você ouvir de olhos bem fechados, preso no negror das pálpebras.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cream Cracker

Às vezes eu acho que você não tem mais fome. Sequer tem vontade de comer. Também, tenho sempre o mesmo gosto: água e sal... Ainda assim você me tritura entre os dedos, quebra pedacinho por pedacinho, coloca na boca e mastiga com tédio. Responda-me: é puro costume? é falta de opção melhor?

Porque fome... fome não é. Eu me quebro todo, me esfarelo todo, me perco todo no chão aos seus pés. E você não liga, porque eu não passo de seu. Então você pode desperdiçar, jogar fora, transformar em pó o que já não serve.

E eu não mereço destino melhor? Não. Acho que não. Porque de tão salgado já nem as formigas me querem. Mais uma vez, desculpe. É que eu não sei me transformar em biscoito fino.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Cerejas

Seus lábios
cerejas mudas
rubras
revoltas
envoltas
em vivo
e lascivo
licor.

Seus lábios
cerejas cruas
maduras
despidas
escorridas
hirtas
e fartas
de vermelhidão

Seus lábios
cerejas úmidas
túmidas
acasaladas
avassaladas
de puro
e obscuro
carmim.

Seus lábios,
cerejas pra mim



terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Paixão de Ocasião


Mariana olhou para a rua e sorriu entristecida. Então ninguém? Ninguém. A rua de meio dia estava vazia, nem um cachorro sequer. Logo nessa hora, que passam tantos homens para ir trabalhar... Ninguém? Ninguém.

Pensou em botar as sapatilhas, sacar de um guarda-chuva e sair sem rumo certo, em busca de alguém. A preguiça, no entanto, superava a vontade só pensada. Mariana era fraca, mas só de vez em quando. Hoje ela precisava mesmo era de uma paixão. Qualquer paixão. É que só ser triste às vezes não basta, é preciso uma dor mais funda, uma pungência mais urgente, uma lágrima trancada à força no olho.

Mariana é triste sem motivos para chorar, então a menina não tem uma tristeza completa. Por isso procura uma paixão qualquer. Pode ser por um operário de obra, um mecânico de ocasião, um militar. O primeiro que passar. Ela então se convence de que ama aquele corpo, aqueles olhos, aquela boca e que precisa urgentemente que ele seja seu.

Ele, obviamente, não será. Ainda assim, ela vai esperá-lo, sempre no mesmo horário, só para vê-lo passar. E vai armar mil tramas para conversar com ele, para tocá-lo, para entregar o número de seu telefone... Mas não fará coisa alguma. Quando ele olhar, ela desvia o olho, inclusive.

De que serve, então, essa paixão, Mariana? Serve para doer. Para ser a dolorosa glória dos que sofrem por amor, dos que fervem por ferver. Porque não há angústia maior do que não ser retribuída em um amor tão vil.

Mariana vai pensar e vai penar e vai sofrer por aquele homem de quem nem saberá o nome. E será feliz com aquela dor só dela, aquela secreta e abismate tristeza da paixão. Agora fiquemos quietos, aí vem ele.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Guerra

Às vezes nossos projetos são só projéteis: detonam os nossos sonhos.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Sobre uma chuva

A Iansã eu pedi uma chuva, e não me foi negada.
Da tarde quente fez-se a brisa. Da brisa morna fez-se o vento. Do vento frio fizeram-se nuvens. Das nuvens grandes fez-se a chuva. Chuva abundante, repleta e exuberante.
Mas... como diz a música, “os deuses vendem quando dão, melhor saber”. Paguei de bom grado pela chuva que pedi. Paguei indo para dentro dela, me dedicando todo à água.
Era boa a sensação da chuva escorrendo pela minha pele, pingando gelada, desfazendo todo calor e toda mágoa. Sozinho, como quando criança, orei. Agradeci por aquelas nuvens e por todas as outras. Agradeci, embora não muito, pelo ano que se foi. E pedi.
Descaradamente pedi. Pedi mais confiança, pedi que Bárbara me guiasse por cada dia, me protegesse de cada raio, me acolhesse a cada trovoada. Pedi que iluminasse meus caminhos, me desse força quando eu fosse fraco. Me ajudasse a fazer o que estou destinado, sem deixar que eu me perca pelos caminhos da vaidade e da prepotência.
Foi um momento único, no qual me senti simplesmente completo e conectado ao que quer que represente minha fé, minha natureza e meu universo.

Foi muito bom sentir. Só sentir, o vento na pele, a chuva no rosto, a água em cada poro, minha alma em cada gota...