domingo, 19 de outubro de 2014

I walk alone

Um diário de solidões, como eu sabia que seria, assim têm sido os meus dias. A solidão é um risco. É o mesmo risco de quando estou em um lugar muito alto. Ao mesmo tempo em que eu temo a queda, eu a desejo. O risco da solidão é desejá-la. É se acostumar a ela, é descobrir que o sossego da própria companhia é preferível à agitação da casa. O risco todo de se estar só é o de se descobrir profundamente feliz assim. Descobrir que você se basta e, melhor, que sozinho você não se perturba.
"I walk alone
Every step I take
I walk alone
My winter storm
Holding me awake
It's never gone
When I walk alone"

domingo, 12 de outubro de 2014

Somos todos Peter Pan



Na verdade, não sei se algum dia nos tornamos adultos. Por enquanto, somos crianças crescidas e nossos medos cresceram junto com a gente.

Antes, era só o medo de um quarto escuro. Agora, é o medo da solidão que ronda.

Antes, era medo do que não conhecíamos. Agora, é o medo de tudo que sabemos existir. 

Antes, havia o medo do futuro, mas ele vinha sempre misturado com o desejo, com a expectativa. Agora, o bebemos puro.

Crescemos e demos corpo, vez e voz aos nossos medos todos. O medo de não ser aceito, de ser abandonado, de não saber o que fazer. Todos eles continuam, só que maiores.

Houve um tempo em que eu acreditei que um dia saberia as respostas. Hoje sei que não. Somos só crianças que fingem saber, como um dia fizeram os nossos pais. Crescer é isso também, é perceber que nossos pais continuam na infância, só que eles aprenderam a fingir que não.

Somos todos pequenos diante das inseguranças, somos ainda chorões diante da vida. Não sei se isso vai mudar algum dia. Nem sei se deve mudar. Afinal, que época melhor para morar do que a infância? Mas precisamos, isso sim, resgatar mais do que os medos. É estranho que os alimentemos e, no entanto, deixemos morrer a esperança, a expectativa, a fantasia que são, elas também, partes da infância.

É estranho que, podendo escolher só alguns brinquedos para a caixa de lembranças, tenhamos escolhido justamente os brinquedos quebrados. Está na hora de resgatar o que esquecemos. Está na hora de lembrar que ser criança é, sobretudo, ter fé. Que possamos resgatá-la, de algum sótão, de algum porão, de algum armário velho e trancado. Que possamos voltar a acreditar. Que possamos, mesmo que por um só dia, assumir a criança que fomos e tentar fazer com que cresça nela mais a esperança do que o medo. Não nos tornaremos adultos, é bem verdade, mas assim seremos, pelo menos, crianças felizes.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Uma peça

Hoje, saltou-me aos olhos o texto da Martha, no ZH. Segundo a cronista, agora, todas as peças de teatro anunciam-se como comédias, pelo medo de não encher a casa se anunciarem algo mais profundo, que em vez de fazer rir, faça chorar, faça pensar, faça se angustiar.

Eu sou o exato oposto. No passado, já me acusaram de ser muito profundo, muito grave, melancólico mesmo, anunciando a tristeza de longe, em verso e prosa. Isso sem me conhecer. Sem nunca me conhecer de verdade. Como se eu fosse um pouco peso, um pouco Clarice. Como se eu fosse o próprio cão negro da depressão, caçando incautos.

Eu me anuncio como tragédia, é bem verdade. Mas de longe. E é, de repente, pelo exato motivo que ressaltou a Martha. Comédia atrai mais gente, tragédia afasta. Eu sempre quis afastar, por isso a propaganda enganosa.

Sim, enganosa. Quem chega perto, compreende logo que sou outro. Que há riso nas minhas peças e peças no meu riso. Sou outro e esse outro é quem me domina fora dos meus textos, longe das minhas lágrimas de papel. Esse outro que ri, que brinca, que é quase o centro da festa. Sou outro quando me permito ser.

Tanto, que uma colega – que nunca havia me lido – destacou outro dia: “Nossa! Que lindo aquele teu texto sobre a chuva. Eu conseguia te imaginar.... Mas fiquei esperando acontecer alguma coisa, uma resvalada, um tombo, um tropeço. Seria mais teu estilo, uma coisa engraçada.”

Sou shakespeariano ou pastelão? Já não sei. Acho que isso depende de quão perto você está disposto a chegar.

Independentemente dos anúncios que lanço, meu teatro sempre acontece por dentro dos olhos.