quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O grande Houdini


Você aprende a enrijecer os músculos, a aguentar as pancadas. Você se faz de forte, mas é pura técnica, prestidigitação, ilusionismo de um mágico qualquer. 

Vendo, porém, que você aguenta os socos, que resiste incólume aos traumas, cada vez mais pessoas querem tentar, querem ver o quanto a força de suas realidades é capaz de lhe ferir.

E você deixa. Deixa porque não deixar seria covarde demais. Deixa porque já se convenceu da própria mágica. Deixa porque esqueceu que seu feito é truque, sua força é farsa.

Sendo assim, lhe batem. Socos secos principalmente, mas não só. Batem-lhe de todas as formas possíveis. E você finge que aguenta.

Até que um dia vem um soco qualquer e você está ainda despreparado. Não deu tempo de enrijecer os músculos, não foi possível botar a capa de madeira fina sob a camisa, para esse você não conseguiu estar pronto. O soco veio e arrebentou tudo por dentro.

Mas você continua fazendo de conta que é forte. Continua desafiando a dor. Continua com o show porque ele não pode parar.

Mas ele para. Quando você cai morto, cansado de testes e baques, cansado de fingir-se de forte, entregue, enfim, ao que de humano há em você. Então o show para. E dessa vez é para sempre. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Por nós

Anoitece. Músicas novas preenchem meus vitrais de silêncio. Estou só e não sei ficar assim. Acompanhado sei ficar menos ainda, é verdade, mas com o só eu já me acostumei. Se alguém viesse, se alguém batesse à porta, eu abriria e chamaria para entrar.

(Mentira. Eu trancaria as portas e me esconderia por detrás das cortinas.)

Se alguém viesse, eu serviria café passado – se houvesse filtro. (E filtro não há.) Mas não importa. Ninguém vem. Eu pareço – de fora – fortaleza. Não dou abertura? Eu assusto? E vocês têm medo? Medo de escrever errado – eu não ligo. Medo de ser banal – eu até gosto. Medo de incomodar – mas e se eu preciso?

Vocês têm o medo de quem vai salvar alguém de afogamento, eu sei. Vocês têm medo de se afogarem comigo. Mas sou raso. No fundo, no fundo sou raso. Só não contem que ouviram isso de mim.

Sei falar da lua (e seus mistérios), sei falar da bebida (e seus espíritos de vinho), sei falar da vida alheia (e sua insondabilidade)... Sou mesmo de matar! Entre parênteses eu sou de matar. Eu tento ser fácil, juro, mas preciso de ajuda. Da ajuda do afogado. Preciso do abraço que naufraga. Como, então? Não sei. Não sei e não me deixam descobrir, ilhado que sou.

Mas se vocês viessem eu serviria biscoitos. (Eu tentaria evitar os amanteigados, juro. Eu seria simples, se vocês viessem: bolachas de água e sal. Pode ser? Não pode, né?! Eu já os perdi no café, confessem. Vocês bebem chimarrão. Vocês bebem cerveja. Mas eu não. É por isso?) Eu ouviria essas músicas aí de vocês. Eu desligaria essas minhas, em francês. Eu não cantaria rien de rien, se vocês viessem.

Mas vocês não vêm. Vem a noite, vêm as estrelas, a lua vem. Vem a ironia e os mosquitos também. A madrugada vira dia, o tempo vira a página, o carteiro vira a esquina. Mas não vem. Toca o telefone: é engano. Chega um e-mail: é propaganda. Vem alguém...

Mas não, moço, eu não quero um balde de pêssegos sem caroço.

Eu quero um é 'vocês' para deixar de ser tão eu.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Um nascimento e um furneral


Hoje ele morreu.

Era esperado já. Bem esperado. Mas toda morte de alguma forma o é.

De qualquer maneira, eu precisava ainda dizer algumas coisas a ele. E como só sei dizer escrevendo, faço-o. Que ele consiga ler, esteja onde estiver.

Eu quero agradecê-lo, imensamente. Apesar de alguns desentendimentos, ele foi bom comigo. Muito bom, na verdade. Ele me fez realizar um sonho grande. Sonho daqueles que quando contamos, até riem de nós. Eu não esperava que tudo fosse tão simples, tão rápido, tão fácil. Eu não esperava poder me assumir escritor de modo tão sem dores. Eu não esperava o reconhecimento que chegou, derrubando frutos e lançando sementes que ainda estão por brotar.

Eu preciso agradecer também porque ele me apresentou muita, muita gente. Ele me fez conhecer pessoas incríveis, repletas de bons sentimentos, de sabedoria, de ideologias, de poesia e de força. Gente em quem eu agora me inspiro. Também agradeço pelo outro tipo de gente... sempre precisamos ver como a maldade é, que sorrisos tem, que coisas quer. Sempre precisamos ver o que queremos evitar ser.

Obrigado por me ensinar que sonhos são possíveis, que a mudança move a vida, que a procrastinação nos fazer perder muito (especialmente tempo), que o silêncio pode ser também inspirador, que nem toda ofensa precisa de resposta, que nem toda ação precisa de motivo, que nem toda oração precisa de sujeito. Obrigado por me ensinar que a distância também aproxima, que amizades são amores melhorados, que sentimentos também podem ser reciclados – ou descartados. Obrigado por me mostrar como nossas prioridades sempre estão mudando, como não controlar tudo pode ser bem mais divertido, como é bom se afastar daquilo que não nos deixa dormir.

Obrigado por me ensinar que ouriços também têm lá sua elegância, que falar também é um fazer e que ilusões também se quebram – sozinhas, cedo ou tarde. Obrigado por me mostrar a importância de ter alguém ao lado, para poder confiar, sorrir ou mesmo brigar. Obrigado por provar que nenhuma espera é vã, que todas as rodas da fortuna giram, que ninguém é muito mais do que seu próprio âmago, não importa quanto valor dê ao que está por fora.

É... hoje ele morreu. De coração acelerado, batendo em mil lugares, espocando feito fogos no céu. Hoje ele morreu enquanto brindávamos, ríamos e comíamos as famosas lentilhas de todo ano. Ele morreu e porque ele morreu tivemos banquete e champanhe.

Mas foi porque ele viveu que tivemos lembranças e conquistas e o que comemorar.

Adeus, ano velho.

Obrigado, mais uma vez, por tudo. Que seu irmão mais novo, nascido ainda esta noite, seja tão bom quanto você foi. Ou, se possível, melhor.