segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Nas paredes.

Sangue nas paredes? Não. Hoje minha casa amanheceu alvejada por amoras. Achei meus vândalos de uma imensa doçura.

sábado, 17 de outubro de 2009

Augusto,

Antes que venham te lamber as línguas ferinas desta cidade porca, falo eu: há outro que agora dorme na minha cama. Há outro que se enrosca em minha vida e a causa disso ainda és tu.

Há muitos que arranjam outros, sabes bem. Mas se eu fosse usar a justificativa que aos outros cabe, soaria ridículo. Não foi para te esquecer, foi antes para te lembrar.

Porque olhando para ele, pêlos crespos, negros, espessos e macios, lembro irreversivelmente de ti. Ainda que os olhos sejam de outra cor, a voz miada seja também de outro tom, o corpo ainda sem atingir a graça do teu, o nome distante, o cheiro distinto...

Não. Ele não veio ocupar teu lugar, meu caro Augusto, porque ninguém jamais o fará. Meu coração ainda pulsa pelas tuas vozes de manha, minha janela ainda se abre a espera da tua volta, meus olhos ainda me enganam quando vejo alguém que contigo parece.

Ele veio, Augusto, para lembrar-me de ti. Para que em cada passo eu purgue ainda mais minha dor de abandonado. Para que em cada nuance destes olhos azuis que ele tem, eu possa chorar pelos teus, que são cor de mel. Ele veio para que eu não esqueça de te amar a cada abençoada manhã.

Ele veio para representar tua falta. Ele veio porque tu me abandonaste sem adeus. Ele veio. Mas eu ainda te prefiro, Augusto. E se eu te prefiro tanto, se eu te amo tanto, Augusto, me diga: por que você foi morrer?

Ele só veio, Augusto, para que eu não morra também.

PS: A propósito, caso desejes saber, ele se chamará Victor. Também terá outro nome, como tu tinhas. O teu era Salém, o dele será Avalon.



quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Calma em caos de cacos

Vou juntar estes livros todos, perfurá-los e amarrá-los ao teto. Com os papéis faço fogueira sobre a cama. Dos cadernos arranco todas as pétalas. Viro o lixo aqui no chão e meto nele as coisas das gavetas. Rasgo folhas, quebro três espelhos, martelo o notebook, com todos seus arquivos.

Quebro os santos de gesso, arranco os quadros, rasgo as cortinas de petit poá. Entorto os ferros, mordo as grades, jogo tinta na parede. Derramo as coisas das caixas. Rasgo as 78 cartas, dilacero a pelúcia dos bichos, desenrolo dois carretéis de linha dourada.

Eu grito. Grito muito até cansar. Pisoteio as roupas, corto os cadarços, estraçalho brinquedos remanescentes. Derramo todos perfumes, loções e cremes. Arranco fios, esmigalho vidros, viro o armário.

Então suspiro, de alívio intenso. E só depois vai ter espaço para eu ser feliz.