sexta-feira, 25 de junho de 2010

Copa II

O mundo parou para ver a copa.
E que faço eu de um mundo todo parado?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Passou...

Outro dia, mexendo em arquivos velhos, encontrei uma mensagem muito bonita, apesar de mal escrita. Em síntese, o interessante dela é o fato de um Rei ter ordenado ao escravo que encontrasse uma só frase que o deixasse feliz, sempre que ele estivesse triste, e o entristecesse quando ele estivesse feliz demais.

Eu parei nesse ponto e por mais que pensasse, nada me ocorreu. Ao escravo, porém, os anjos sussurraram a frase perfeita: "Vai passar".

Genial. Tristezas e alegrias passam. Angústias e revoltas também. Ainda bem, aliás.

A minha revolta passou. Hoje acordei bem mais calmo e racional – médico novamente, desencantei o meu monstro. Levemente rubro pelo exagero, levemente aliviado pela catarse, levemente aéreo pelo dia, estou desfazendo estragos. O blog volta a aceitar comentários como se nada houvesse.

Ainda não gosto das mesmas pessoas que invadem minha vida. Não gosto. Acho que se a vida delas fosse interessante o suficiente elas não precisariam forçar a entrada na minha. Eu mesmo abriria a porta. E não, eu não abri. Ou melhor, abri até ver quem era, depois fechei. Então, pessoas, façam o favor de dar meia volta e, com o rabo da dignidade entre as pernas, sumir da minha frente.

No mais, hoje acordei mais leve. E é maravilhosa essa oportunidade de se renovar sempre.
Nesse sentido, deixo aqui uma música que ouvi, cuja letra resume bem meus estados. Não é minha cantora favorita, nem nada do tipo... mas leiam, então, nem que seja como poesia.

Abraços.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Odeio quem lê tudo que eu escrevo, comenta tudo que eu posto e gosta de tudo que eu gosto.

A vida toda aberta, em portas, janelas e links.
E todo mundo pode, em um clique, acompanhar o que se passa dentro.
Eu sou todo entranhas e me desentranho a quem passar.
Meu blog é capela de confessionário,
meu Orkut é missal de escapulário.

Mas por que precisas comentar cada minha oração?
Mas por que precisas reparar na cor de cada vela?
Mas por que, pelos diabos, precisas rezar para os meus mesmos santos?

Meus santos são poucos até para mim e tu ainda os furta na noite calada.
Minhas velas tu apagas, com sopros de fala e perdigotos.
Minhas orações tu atravessas, com ladainhas que não me interessam.

Em paz!
Eu quero paz...
Paz.

Nem que para isso eu tenha que queimar meus diários na vela.
Nem que para isso eu tenha que rasgar meus missais pelas ruas.
Nem que para isso eu tenha que quebrar meus santos de frágil, tão frágil, gesso.

sábado, 19 de junho de 2010

Diálogo imaginário

"E se eu te disser que eu tô com medo de ser feliz pra sempre? O que você diria?"¹
"E ser feliz serve pra quê?"²


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1: Mercedes, em Divã, de Martha Medeiros.
2: Macabéa, em A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

O menino que lia livros

Minha entrada no reino das histórias aconteceu, magicamente, sem a presença mediadora do livro. Num arremedo da própria história humana, foi a tradição oral que primeiro brotou em minha casa.

A hora de dormir, por muito tempo, era precedida dos minutos de ouvir. Bem acomodado na cama de meus pais, eu, pequeno imperador, ordenava que me contassem uma história. História antes de dormir, idéia intrínseca no DNA das crianças (ao menos no das burguesas). Como ordem de imperador não é para ser questionada, mas obedecida, a história vinha.

Era uma vez uma menina que usava sempre um chapeuzinho vermelho. Um dia ela foi passear na floresta e encontrou o bicho-papão. Uns porquinhos que passavam por ali disseram a ela que tomasse cuidado...

Em ritmo caótico, a imaginação de repente fértil de meus pais se punha a emendar contos antigos e fazer deles uma colcha de retalhos que recobriria meu sono. Eu não me preocupava com a incongruência da história, nem com os rumos imprevistos que pelas tantas ela tomava. Eu ouvia, feliz.

Depois me recolhia à minha cama e sonhava com o tal bicho-papão, a carregar a pobre chapeuzinho para cima do pinheiro onde ele morava. Fim. Mais uma noite embalado por histórias, mais uma noite insone dos meus pais, cuja criatividade estendia-se ao máximo limite.

Passado o tempo, maturado o gosto pela história, aí é que surgiram os livros. Numa época em que era impossível aos pais tornarem os filhos zumbis por meio de um DVD, o que eu ganhei para me entreter nas tardes de muita chuva ou pouca disposição foi uma coleção de livros acompanhados por fitas K7. A coleção de nome comprido — As mais belas histórias infantis de todos os tempos – e vinha por partes. A cada um ou dois meses outro livro chegava. Cada livro tinha duas histórias, uma para cada lado da fita.

Antes mesmo de ler, eu ouvia narradores, princesas e bruxas me contando por um mês inteiro as mesmas duas histórias. Sim, logo que chegava o novo fascículo o anterior era parcialmente esquecido. Minha mãe olhava orgulhosa: vejam como ele sabe o momento exato de virar a página!

Em verdade, até hoje não li os livros – ainda os tenho. Mas sei de cor as músicas que embalavam os contos e as toadas que faziam parte das histórias. Meu fascínio por estes áudios permanece, embora hoje eu perceba que o mesmo dublador fazia três ou quatro personagens, alterando ligeiramente o timbre de voz.

Quando eu aprendi a ler, o encantamento pelos livros seguiu o curso natural. Da coleção “Quem tem medo?” li todos, com avidez e pavor insano. Os pingos, eu li divertido, entre sorrisos e tentativas de reproduzir os desenhos em guache. E assim fui embalado em castelos, medos e finais coloridos. Até a adolescência.

Professores, entendam, gostar de ler é falta de status entre os adolescentes. Numa turma onde o comportamento de bando impera, a regra é se opor às regras. Pais não sabem de nada! Professores não sabem de nada! Se ler é bom, então detesto ler! Se ler é obrigatório, quero ver quem vai me obrigar! Contestar é a ordem.

Eu segui o ritmo. Ler era coisa de otário e de velho.

Eis que surgiu uma professora a quem chamávamos, maldosamente, de Pingüim. Baixinha e gorducha, ela tinha mesmo um andar afetado a que o corpo compacto emprestava um ar de... bem, pingüim. Sua matéria: Literatura.

Preciso adiantar que Literatura nessa época e no meu contexto escolar consistia em duas horas semanais nas quais os alunos deveriam ficar em imperioso silêncio, dedicando-se à leitura de livros.

Os livros vinham até nós em caixas mal encapadas por ursinhos e flores. A professora Pingüim passava de classe em classe e nos fazia escolher “Depressa!” um livro daqueles, cuja qualidade máxima consistia em ser curto. Medíamos os livros e então pegávamos o menorzinho, sempre disputado.

Seguia então a tarefa árdua da pobre professorinha, já idosa, diga-se de passagem, de nos colocar em silêncio. Mais de 30 alunos explodindo em hormônios, revoltas e gargalhadas que deveriam fechar as bocas e grudar todos os olhos nos livrinhos.

“Está! Ai meu Deus! Está! Ai meu Deus! Está! Ai meu Deus!”

Tudo isso ela recitava aos berros, com cadência quase poética, enquanto imitações patéticas explodiam por todas as classes. “Está! Ai meu Deus!”. Depois de ameaças severas e de puro cansaço, calávamos um pouco. Não líamos, no entanto. Sempre havia um bilhete a trocar, um riso a abafar, um tornozelo a coçar. Ler era o menos importante.

De tempos em tempos, no entanto, era necessário prestar contas do serviço feito. Outra vez adianto que estou falando de uma época antiga, na qual a internet era ainda coisa inalcançável. Os resumos, portanto, necessários às fichas de leitura, não brotavam das telas. Cada um se comprometia, assim sendo, a ler pelo menos um livro, para que pudéssemos cambiar informações acerca dele e adaptar os resumos em nossos cadernos. Ler importava pouco, o importante era ter os 5 resumos previstos por bimestre.

Conseguíamos entre sufocos, como se trocássemos figurinhas, angariar romances não repetidos, cinco. A glória era conseguir seis ou sete, porque aí a nota máxima era garantida. Passávamos.

A profe Pingüim tratava de fazer o máximo para nos afastar dos livros. Impunha-os como fardos chatos e pesarosos. Seu comportamento era, por óticas atuais, condenável. E se eu disser que, apesar de tudo que hoje se diz, foi ela quem me transformou em leitor?

Sim. Foi pela imposição ditatorial de um pingüim que eu tratei de me apaixonar – de vez – pelos livros. De repente eu fiz uma constatação boba: aquelas duas horas passariam mais rápido se eu me dedicasse a fazer o que era preciso fazer: ler. Foi para fugir do “Está! Ai meu Deus!” que eu me debrucei sobre a classe e comecei a decodificar os tracinhos pretos no branco do papel. Mágica.

Disso para mergulhar no vórtice das letras e nas aventuras contidas nos livros foi um passo cego. De repente eu passava meus dias imerso nos livros, nas histórias, nas tramas. Tudo que eu queria era a próxima página, o próximo passo, o próximo livro. Foi por pura fuga e puro instinto que a ditadura do Pingüim se fez meu prazer.

Como lia com afinco e sempre fui “bem comportado”, ganhei a imensa dádiva de “ler lá fora”. Só aos bons era dado o poder de ir ler nos pátios da escola, debaixo de ameixeiras em fruta. Nas sombras eu devorava ameixas e livros.

No último bimestre meu caderno contava com nada menos que 72 resumos. Nenhum deles usurpado, todos meus. Eu os lia livros encarrilhados. Na biblioteca pública (que passei a freqüentar) já me conheciam bem e me permitiam levar três, quatro livros por vez, para que minhas visitas não precisassem ser diárias.

Meus pais, preocupados, começaram a escavar teorias para expor os malefícios da leitura. Não era, pois, possível que fizesse bem passar o dia mergulhado em páginas. Não. Fazia mal à vista, à mente, ao corpo, à alma, a tudo, meu bom Deus.

Eu resistia. E assim li em pouco tempo tudo que interessava, tanto da caixa na escola, quando da biblioteca na cidade. Todas aventuras da série Vaga-lume, todos os livros de Pedro Bandeira, todos cuja capa ou contracapa me inspiraram, eu havia lido.

Foi então que passei à prateleira dos outros romances. Eu cruzava, curioso, a imensa fronteira entre a literatura “infanto-juvenil” e a adulta. E me sentia maravilhado. Eu ainda lembro de ter pensado “mas o que será que tem nos livros que os adultos lêem?”. Fui ver. Lembro de ter pego um pequenino, de capa negra, na qual se lia em dourado “O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde”. Não por estilo, não por ser clássico, não por nada. O livro me chamou e era um livro-para-adultos. Eu li, com sede e fascínio. Só muitos anos depois eu saberia o que, de fato, estava eu lendo. Dali segui para Arthur Conan Doyle, Bram Stocker, Poe, Goethe...

Eu lia com a mesma empolgação com que lia as aventuras de piratas. Entendia tudo, mas não sabia os tesouros que tinha nas mãos. Foi preciso mais algum tempo para que eu me deparasse com a literatura-para-adultos brasileira. Meu primeiro romance do tipo foi, como gosto de lembrar, Tambores Silenciosos, de Josué Guimarães.

Foi ali que eu vi, fascinado, que além das linhas as entrelinhas também compunham os livros. Ali eu dedilhei segredos e fui além do que se podia ver. Quando conheci Clarice Lispector, com A Hora da Estrela a magia se fez por completo. Ela, de repente, em escrevia. Não em Macabéa, mas nela própria, na mulher com olhos de lince que cruzava a página aqui e acolá.

Diante disso minha paixão se fez. Por caminhos de prazer, obrigação e fuga foi que comecei a entrar nos livros, primeiro para conhecer, depois para criar.

Hoje leio roubando o tempo da internet. Na minha casa, porém, sempre há quatro ou cinco livros pela metade. Há os que leio pelo prazer da linguagem, pela filosofia embutida, pela simples fruição. Assim como na vida, na literatura eu não abrigo preconceitos. Já li Paulo Coelho, Zíbia Gaspareto, Meg Cabot e best sellers de todos os tipos. Ler me fascina, de qualquer modo. Ler autores considerados “populares” é ter o prazer da fruição. Quando me dizem que só lêem os clássicos e que nada mais presta, eu já faço cara de enfado. Aí está uma pessoa que é, em tudo mais, chatíssima.

Confesso que os clássicos me dão mesmo mais deleite... Eu gosto de ver a língua dominada, o jogo de interditos, a arte da palavra, coisa que nos populares muito pouco há. Mas há história, e história, às vezes, é tudo.

O que sempre me deixa abrucanhado é que, mesmo lendo o tudo que leio, eu não vou chegar nem à milésima parte de tudo que há para ler. Há tanto escrito no mundo, tanto livro esperando com personagens palpitantes, com frases marcantes, com verdadeiras epifanias impressas... Aiai. Isso me faz suspirar com uma tristeza imensa.

Eu queria abarcar o todo. Eu queria ler tudo.

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Este texto, como se pode ver, não foi escrito para o blog. Ele é grande demais...
Apesar disso, decidi publicá-lo hoje, inspirado pelo meu caro Will.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Futebol... futebol... futebol...

Há uma propaganda de desodorante que eu achei extremamente desagradável. Nela, todos os homens viram zumbis e repetem sem parar “Futebol... futebol...”.

Ótimo. Sacada de gênio. Perfeito. Um show de criatividade. Melhor do que isso só um cara de chocolate sendo comido... Sério.

Hoje, porém, comecei a ver que nem é tão inverossímil o comercial.

Na hora do almoço:
Eu (querendo saber quem preparou o omelete): Pai, quem é que fez o ovo?
Ele (sem nem tirar os olhos da TV): A Eslovênia.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Escrita a vida

E eu pensava que vivendo é que eu escrevia. A vida eu tomava como combustível, entendam, para a escrita. Era um raciocínio de cronista pobre. Hoje, que eu escrevo sem a necessidade de “publicar”, é que eu percebo meu erro tremendo.

Eu simplificava demais a vida. Eu a transformava em simples matéria. Eu fazia a relação inversa. Mas agora eu sei, e o que eu sei agora é perigoso. Em mim se dá o contrário, a escrita é que me determina a vida.

Eu percebo que não são os meus personagens sombra de mim, mas sim eu deles. É que pela tinta eu vou me delineando. Eu vou sendo conforme meus textos dizem que eu sou e disso brota a vida. Depois de escrever, e mesmo escrevendo, eu sinto o que eles sentiram, eu ajo como eles agiram. Eles não têm o meu jeito, eu é que roubo os trejeitos deles. A escrita é o combustível da minha vida, percebo perplexo.

E isso é perigoso, entendem? É que sendo assim eu posso me determinar com palavras. Eu posso escolher. Se eu escrever que sou tímido e calmo, minha face vai se avermelhar por qualquer porém. Se eu disser que sou ousado, saio com a segurança de todos os homens no sorriso de enigma. Que eu nunca queira contar a história de algum assassino, por Deus.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Copa

Não. Eu não me interesso por futebol durante todo o frutífero resto dos 4 anos em que o Brasil não é verde amarelo. Por que, então, agora é que eu deveria me interessar? Eu fico boquiaberto com o pseudo-patriotismo que inunda nosso país. Até quem jamais viu a bola quicar no gramado se senta frente à TV para comer pipocas e ouvir falar o Galvão.

Nada contra os apaixonados pelo esporte... Nem os interessados... Mas só de onda não dá, né? Não quero puxar de moralismos hipócritas e falar dos problemas do Brasil e blá, blá, blá. Em contrapartida, também não quero ouvir sobre o orgulho de torcer pela seleção e blá, blá, blá.

Não suporto futebol. Não suporto quem ama futebol durante a copa (e só). Não suporto quem torce para não se sentir por fora. Não suporto quem me ignora porque está de olho num jogo no qual não tem o mínimo interesse real, droga.

Ninguém tem outro assunto? Nada de mais interessante acontece no mundo? O nascimento de uma formiga, por exemplo.

Nossa dor alheia

“Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.” (Clarice Lispector)

Não é estranha essa carne humana nossa que se apraz de fazer doer o outro? E não falo de escalafobéticos esquemas sadomasoquistas. Falo bem mais simples. Falo das pontadas negras. Das indiretas fáceis. Das agulhadas finas.

Achamos que o outro merece ser ferido porque em algum momento ele nos feriu. Esse ferimento tantas vezes involuntário desperta em nós a dor. E a dor quer companhia. Somos já por si só sozinhos demais. Então o tapa na face alheia nos conforta.

“Ele me fez sofrer e agora eu retribuí”. Enfiar a faca e girar. Eu aceito. Porque há quem precise danadamente que eu sofra. Bem disse Clarice. Não quero atrapalhar se é da minha dor que depende alguma sobra de felicidade.

15/06/10

Eu gosto de atravessar a cidade bem cedo, quando o céu ainda está roxo de frio. É bom sentir o vento e a liberdade de ter um dia inteiro, todo novo e bom pela frente. As pessoas andam apressadas, sempre atrasadas para o trabalho. Os adolescentes andam falantes, sempre adiantados para a escola. Eu ando apenas livre.

Vou de mangas puxadas, passos soltos, pensando. Talvez em nada, talvez em você, talvez em mim. Cumprimento alguns poucos dos que conheço e que quero cumprimentar. O jornalista com quem trabalhei, por exemplo. O jornaleiro jamais me vê, mas nos encontramos todas manhãs, como em um ritual.

Um carro passa com música alta e eu me eriço todo. É de alguma banda ruim (com loiras – ou morenas – que jogam demais os cabelos), uma afronta à manhã bonita. Só blues combinaria, mas as pessoas daqui não gostam de blues.

As pessoas daqui também não gostam de mim. Isso eu leio nos rostos, mas é tão cedo ainda...

sábado, 12 de junho de 2010

Do que há para dizer...

Um dia você pediu para que eu não fosse para muito longe, lembra? Numa esquina qualquer nos dizíamos um quase-adeus, e como doía... Você, minha borboleta delicada, disse que, em todo caso, também tinha asas, podia voar ao encontro deste anjo aqui...

E eu desejei tanto que suas asas se abrissem. Desejei aspirar, borboleta, teu cheiro de flor. Desejei ver tuas cores mais secretas, bem de perto. Desejei teu calor inteiro.

E como foi bom quando nos encontramos em pleno ar. Sim, porque a sensação de ter você é sempre a de voar. É a leveza de um amor inteiro, de toques carinhosos, de abraços quentes, de mãos sempre atadas.

Ah, borboleta. Meu peito ainda explode, como naquele dia. Minhas horas longe de ti ainda são cruéis, horas de terra, horas rudes. E qualquer vento confundo com teu bater de asas, qualquer perfume me deleita em esperar tua presença, qualquer pingo da tua voz me dá a esperança de ser completo.

Há tanto, pequenina, que eu queria te explicar. Há tanto dentro de mim para ser transformado em palavras, há um frêmito doido no meu coração, uma lágrima pendurada no olho... mas eu poeta já não sou. Sou só o teu menino. Às vezes confuso, às vezes assustado, quase sempre carente.

Digo: sou teu. E de repente não preciso dizer mais nada.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Amnésia Seletiva

Porque eu não sou homem que possa ser esquecido, aprenda.

Por Deus, você age como se não soubesse que eu tenho o diabo costurado na pele, apesar dos modos de anjo que procuro manter. Você age como se esquecesse disso. Erro besta.

Então hoje à noite eu talvez também esqueça de mim. Temos ambos esse direito? (Não discorde! Você sempre discorda porque eu nunca inverto o jogo. Pois vou inverter, só para ver as peças caírem).

E eu hoje à noite talvez esqueça de mim. Talvez eu esqueça que sou sério e vista minha roupa mais quente. Talvez eu esqueça que sou discreto e coloque meu perfume mais forte. Talvez eu esqueça que sou anjo e deixe de fora minha cara de diabo. Talvez eu esqueça que sou soturno e deixe meu riso solto, chamando atenção. Talvez eu olhe com fome de lobo às pernas que passam. Talvez eu esqueça de ser príncipe e volte a virar fera. Talvez eu esqueça, sim-ples-men-te esqueça, de você.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

De, por e sobre o texto

Em rodeios e floreios, ela de repente arrematou: Por que você não pode escrever como a Martha Medeiros? Coisas que a gente entenda...

Sem torneios e tonteios, ele disse nos meus olhos: Quantos anos? Vinte e dois?! Você escreve como gente grande. Mas realmente lhe falta uma concretude. É poema ou narrativa que você quer? Para poema faltam os versos. Para narrativa, falta a história. Seus textos dariam ótimos poemas. Quando isso se alonga, porém, não se sustenta. Em uma narrativa, o que nos marca é a história, não a linguagem.

E tudo veio a derramar onde já havia mais disso. Há algumas semanas eu estava pensando exatamente a mesma coisa. Então, meus textos são sobre....? Sentimentos, um “eu” responde prontamente, como os da Clarice. Não, outro “eu” discorda, não são como os da Clarice, porque até ela se rendeu às histórias.

Verdade.

Eu faço um diário cifrado, respondo então abrucanhado. Inovação, digo de outro lado. Não é. Ela, ele e pelo menos um “eu” têm razão. Eu sopro de tão longe que quem lê sente o vento, mas não faz idéia do que sopra. Eu preciso me explicar, me explicitar, me dizer.

O poema não é para mim, tento ao menos disso me convencer, mas jorro poesia, inevitavelmente.
Narrativa é o que mais desejo, mas na hora de escrever, não tenho história para contar.
E Martha Medeiros escreve crônicas, Santo Deus, o que faço eu?

Nada. Deixo-me distrair e penso em colocar partes minhas para dormir. Só que agora percebo: não é questão de dormir, é questão de acordar. Preciso que desperte o que em mim há de adormecido. Galos cantam alto, que acordem, então, um contador de histórias e um cronista. Que evaporem as brumas da minha noite obscura e o sol nasça no meu texto.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Enquanto isso, na Nobel do Bella Città...

Moça: Posso ajudá-lo?
Eu: Pode sim... Eu estou procurando a biografia da Clarice Lispector, escrita pelo Benjamin Moser.
Moça: Ah, eu acho que não tenho ainda. Tenho só o último livro que ela lançou.
(desconfiado, eu acompanho a moça com a esperança de que ela ao menos me leve ao Sopro de Vida – Pulsações, ou, no mínimo, ao A Hora da Estrela).
Moça: Aqui está! (me estendendo um livro preto da Lya Luft).

PS1: Eu deveria ter imaginado pelo “o último livro que ela lançou”.
PS2: Em pensar que meu sonho é trabalhar em uma livraria.
PS3: Os funcionários deveriam ter, no mínimo, formação em Letras ou paixão por Literatura.
PS4: Lya Luft? Sério? Tá, ela até já foi boa, mas deixei de respeitá-la quando ela decidiu que era mais importante ganhar dinheiro com auto-ajuda (barata) do que fazer Literatura.
PS5: Eles aceitam currículos?
PS6: Pior do que isso só no monólogo da Beth Goulart. Ao final, uma anta perguntou à atriz se Clarice Lispector a havia procurado para que ela fizesse o espetáculo.
PS7: Para quem AINDA não sabe, Clarice morreu em 1977.