Vem você – a meu convite – entrar pela janela dela, feito sopro de um olho só. Vem você, ver em preto e branco o fim daquela amizade colorida. Vem ver ela abrir os armários e chorar escondida. Vem ver ela juntar roupas, cartas, perfumes, flores, fotos e fitas.
Vem ver ela colocar tudo nas sacolas de plástico e ir dar dois nós. Vem ver ela passar a mão na testa suada e desabar um pouco mais fundo. Vem você. Vem depressa ver.
Vem ver ela rasgar as cartas, os cartões, os guardanapos, vem ver ela vazar a tinta das canetas escritas. Vem ligeiro, senão não sobra nada.
Vem ver ela colocar tudo na lixeira da esquina. Tudo mais uma caixa comprida. Vem você, vem ver que engraçado ela entrar dentro da caixa. Metade do corpo pra fora, esperando o caminhão vir buscar.
Vem, vem ver e também ouvir. Ouvir ela dizer para nós – no ar, que queria se livrar de tudo que era dele. E nada mais dele do que ela.
Vem, corre agora, vem ver o caminhão verde chegando, o lixeiro de trás gritando, o motorista parando, de quando em quando. Vem você, depressa ver.
O caminhão pára, entre ela e nós. Barulho de sacolas, trituradores ligados, não dá pra ver.
O caminhão sai.
Na esquina só sobrou ela. Ainda dentro da caixa.
Pronto, agora pode voltar. Você já viu o que eu queria mostrar.
Há parte de nós que as vezes precisamos sacrificar.
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