quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Sacrifício

A palavra é minha ousadia para o mundo. Não sem preço. Para escrever é preciso raspar a carne e esfregar o rosto no asfalto. É preciso verter sangue e expor as veias, os músculos, os ossos. Para entrar no mundo das letras há que se descascar o corpo inteiro. É necessário aflorar os nervos. Arrebentar os botões, quebrar as costelas e abrir o peito. Não há outra forma. Para poder invadir as linhas, é preciso antes virar do avesso a pele. Mostrar as fibras, revelar tudo que há por dentro.

A escrita exige essa entrega. Essa renúncia. Não há outra forma senão abrindo-se todo. Há que se ficar exposto inteiro ao ar. Ao imundo ar. As palavras só brotam quando se sofre de todas as dores.

Por isso a mudez é mais fácil. A escrita exige sentir. Viver não exige. É possível passar pelos dias incólume, quando se renega a palavra. As letras ordenam que se rompam as barreiras. Que se descasquem as camadas. Que se tirem as proteções. Elas exigem a aspereza. Elas se regozijam na crueldade da dor. Qualquer dor. Porque quem escreve está exposto a sentir até a dor do outro. Escrever é esse aflorar de toda sensibilidade. Abrir todas as portas e janelas. Mesmo sem saber o que vai entrar. Os pontos não são de tinta, são de sangue. Meu sangue.

Por isso o medo. Por isso a renúncia. Por isso a fuga. Porque escrever me exige mais do que viver.

5 comentários:

  1. Este texto é extremamente profundo e enérgico! É uma característica bem peculiar de quem já terminou o segundo grau este liguajar mais complexo. É de tanto ler Machado de Assis, né? rss Brincadeiras à parte, você é um exímio escritor! Obrigada pelo comentário no meu blog Escritora Online. Abraço!

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  2. Belo post. Para mim, escrever é um ato não tão doloroso. É mais um impulso que um esforço. Vem e vai. Talvez por isso não me importe tanto com o que escrevo. Afinal, o que não dá trabalho, em geral, não é valorizado...

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  3. Você é dionisíaco, por isso essa dor toda.

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  4. "A palavra é o dejeto do pensamento. Cintila. Cada livro é sangue, é pus, é excremento. É coração retalhado, é nervos fragmentados, é choque elétrico, é sangue coagulado escorrendo como lava fervendo pela montanha abaixo"
    (Um Sopro de Vida)

    Neo-lispectoriano seu texto, partes dele por assim dizer...que bom encontrar alguémn que sinta o escrever tão visceral assim...forte,pleno e intenso.

    Exprema-se sempre que possivel, não importa se o sumo é doce ,amargo , salgado ou azedo...importa ser ele verdadeiro...temos os mais diversos paladares.

    Um carinho de quem passou e gostou do que de ti provou, em palavras.

    Erikah

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  5. O ruim é quando viver, apenas, torna-se suficiente. Esse foi um que me revirou as tripas - no melhor e pior sentido da emoção. Pois muito bem.

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