segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Z

Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei

Eu era ainda tão criança quando um professor, mais nordestino que matemático, falava geometrias e escrevia tuas melodias no negro quadro, ao passo lento de nosso desinteresse.
Ríamos de eco em couro, um riso solto e bem debochado:
"Ele escuta aquelas músicas, coitado!"
Ah, que fosse ele ouvir tuas músicas então e deixasse de nos importunar com aqueles triângulos cheios de ângulos ora obtusos, ora obscenos.
Havia muita via, muita vida, para nos preocuparmos com aqueles números ou com tantas letras.
Não queríamos parecer caretas.
Éramos coloridos e traçávamos sonhos, nos teciam as esperanças, e as aspirações navegavam no nosso infinito mar de problemitudes.
Que coisas complexas vivíamos aos treze anos! Meu Deus...
Em nosso trono, éramos tão importantes senhores de um reino sem reis, quebrando e debochando das leis.
Fazendo do apreciador da tua arte o nosso bobo da corte.

Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...

Três fantasmas vieram me tirar para dançar.
O passado reneguei, o presente desperdicei, do futuro pisei no pé.
Eu não podia mais fazer parte daquela turma de reis, percebi que eram eles os bobos da corte.
Subi no alto de uma torre de marfim e entre a loucura e o suicido, optei pela solitude.
E muitos anos se passaram assim.

Eu desço dessa solidão
Espalho coisas sobre
Um Chão de Giz
Há meros devaneios tolos
A me torturar

Um riso rubro, quase malícia de uma menina me implorando à cama, fui eu seu lobisomem, seu professor.
Na noite de suspiros e suores de gemidos e amores, tu cantavas ao nosso lado.
Era, talvez, a primeira vez que te ouvia.

Baby!
Dê-me seu dinheiro
Que eu quero viver
Dê-me seu relógio
Que eu quero saber
Quanto tempo falta
Para eu lhe esquecer
Quanto vale um homem
Para amar você...

Nos devorando como animais, fomos deuses ancestrais e canibais.
Tão humanos que imortais, pecadores imorais, perdidos em nossos jogos de sarcófagos antropófagos, dias à lua, noites ao sol.
Brincamos de risos loucos que era eu o seu michê.
Encontrou depois, uma moeda minha, caída na cama. Deu-me e disse, com olhos de onça, satisfeita e assassina, que era muito menos do que eu valia.
E quantas madrugadas tua voz ditou o compasso, depois acelerou meus passos quando ia sozinho, voltar à torre de meu marfim.

Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada se apaixonou...

Ela teve medo. Pelo fio do fluir dos anos, de tua música. Os mistérios de um lobisomem causavam choro quando ela criança era. Agora, toda desabrochada mulher, ri da tolice, tem seus próprios mistérios, à meia-noite é ela que impera. Sou eu seu lobo, sou eu seu homem. O medo derreteu-se e ela lambuzou as mãos da mais completa fascinação.
Com estrelas nos olhos castanhos falava teu nome e cantava tua voz. E assim me foi seduzindo, plena sereia, e assim me foi convencendo a sair da areia, entrar nos desertos do mar, para ser devorado ou talvez devorar.

Paisagens abertas, desertos medonhos
Léguas cansativas, caminhos tristonhos
Que fazem o homem se desenganar
Há peixes que lutam para se salvar
Daqueles que caçam em mar revoltoso
E outros que devoram com gênio assombroso
As vidas que caem na beira do mar

Noites que se foram, viagens intermináveis. Dias cansativos, dias de chorar, dias de fazer amor, dias de se odiar. Todos pássaros, passaram.
E na noite eu estava contigo.
Era tua voz que entrava silenciosa em meus ouvidos enquanto rodas velozes empurravam para trás o asfalto quente.
Era tua rouquidão que embalava meu sono, entorpecia meus pesadelos e alegrava meus sonhos.
Fui tão triste.
Fui tão feliz quanto.
Todas as noites que passaram, todas as noites que virão, teu som.

Toco a vida prá frente
Fingindo não sofrer
Mas o peito dormente
Espera um bem querer
E sei que não será surpresa
Se o futuro me trouxer
O passado de volta
Num semblante de mulher

Uma bolinha girando no ar, tão rápida que faz zunido nenhum, nem um zum, na cabeça da gente. Um dia de insuportáveis cigarras, execráveis cigarros e bárbaros bêbados. Um dia de esperas sem desesperos, de vidas suspensas e ouro bem pago.
Qualquer coisa, faríamos. Era para ouvir tua voz.

No aroma de amores pode haver espinhos
É como ter mulheres e milhões e ser sozinho
Na solidão de casa, descansar
O sentido da vida, encontrar
Ninguém pode dizer onde a felicidade está

E quando chegaste e quando falaste e quando tocaste e quando cantaste.
Shhhhh..... É silêncio n'alma então.
O mundo, sabemos, não acontecia fora do palco teu.
O relógio suspenso e surpresos os deuses do tempo, como ele o pôde parar?
Não era mais de medo que a menina chorava.
Eu ia chorar muito além, bom tempo depois, só quando entendesse que aconteceu.
E era real? Nós cantamos todos juntos?
Meus braços feito serpentes sufocavam o corpo quente daquela que também não acreditava.
Imagine num sonho, deslumbrados por poder te ouvir.
O coração vinha à pulos, à boca cantar, errava a letra e voltava ao peito, bater ou parar?
E eu dizia a ela, sim estamos aqui, mas sem acreditar.
Nos raios de luz, tornei eternos momentos, como uma medusa a te capturar.
Foi tanta coisa a sentir, é tanta coisa a falar, que o melhor mesmo é calar.

Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas
Que vieram como gotas em silêncio tão furioso;
Derrubando homens entre outros animais,
Devastando a sede desses matagais;
Devorando árvores, pensamentos seguindo
A linha do que foi escrito pelo mesmo lábio tão furioso.
E se teu amigo vento não te procurar
É porque multidões ele foi arrastar.



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