Secadilha e renga, uma moça atravessa a praça, de viés. Seu nome é Magdalena. Debaixo de um dos braços, um quadro torto, coisa que mais tarde chamaremos de arte. Em outro patamar, muito acima, está Diego, a quem ela chamará de “Barrigón”. Magdalena é direta: avisa que pinta e quer sobre seus quadros um olhar profissional. Não, não quer elogios atravessados, quer críticas duras! Não há tempo a perder! Ou ela tem vocação à pintura, ou vai fazer outra coisa para ganhar dinheiro e ajudar aos pais.
É uma composição interessante. Não só a do quadro, mas a cena em que esta trama se desenrola. Magdalena Carmen Frieda Kahlo Calderón, hoje Frida Kahlo, duvidava do próprio talento. Não estou, então, sozinho.
Frida usava tintas coloridas, compunha arte. Eu uso tintas negras, componho textos. Perdoem-me a audácia de me comparar com Frida, mas a angústia que tenho é a mesma. Eu já não sei, por exemplo, se meus textos são Literatura.
Sim, quanto mais estudo, menos sei avaliar o que escrevo, e não há Barrigón a quem perguntar. Eu acreditei, simplesmente, nos que me aplaudiram em algum momento. Fiz minha vida equilibrar-se toda nas linhas torpes do que é escrito. Por um concurso de poemas, vendi a alma, ainda infante.
Vejo ao meu lado composições tortas, contos feios de linguagem pobre e imaginação vadia. Seus autores, no entanto, se autoproclamam Escritores. Eu leio, e não nego — ninguém nega, aprenda: ninguém diz ao rei que o rei está nu. Depois, porém, eu penso “E se for assim comigo também? E se eu for um medíocre, que olha os textos com óculos de pai e se nega a ver defeitos onde obviamente eles estão? E se eu não tiver qualquer talento ou vocação?” Quando penso isso estremeço todo, porque seria necessário então reviver toda vida e ir logo fazendo outra.
Quem cria uma peça (supostamente) artística, não possui o distanciamento básico para fazer uma avaliação digna, há paixão demais envolvida. Quem vai admitir que seu sonho é fraco, que seu texto é ruim, que sua pintura é pobre? Ninguém. A desconfiança, no entanto, me cerca. Amigos dizem que meus escritos são bons. Algumas professoras (mestres e doutoras) elogiam meus textos. Desconhecidos vez por outra fazem comentários agradáveis... Mas quem é imparcial? Qualquer carinho - que de tão pequeno que já vem no diminutivo - turva os olhos.
A quem dou meus textos para uma avaliação sem elogios? A quem pergunto: Afinal, isso é Literatura? Presta? E de onde eu consigo coragem suficiente para me arriscar ao “não”, ao cortante “não”? Porque pode vir... pode vir...
Frida estava certa em continuar pintando. Suas telas são Arte o suficiente para entrarem no conceito e emudecerem de susto os olhos alheios. “Nem você, nem eu, somos capazes de pintar um retrato como os de Frida Kahlo”, escreveu Picasso a Diego Rivera.
A dúvida de Frida foi respondida, e a minha, quem terá a audácia de desfazer?
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Talvez eu esteja sendo um cadim pretensiosa, mas para ser escritor é necessário sentir o que diz o trecho a seguir:
ResponderExcluirEscrever para mim é sentir o sangue correr em minhas veias, é sentir-me útil, é perceber nitidamente o que eu vim fazer neste mundo, qual a minha missão. Quando escrevo é como se minha alma se enchesse de vida, como se renovasse minhas forças.
E você? O que sente?
Cara Sara.
ResponderExcluirEntre escrever e ser um Escritor há uma distância de dois mundos.
Bem o sei, caro Vi. Às vezes morro de escrever(escrevo demais) belas porcarias e outras vezes escrevo frases minúsculas e significativas. Mas ser escritor é isso aí, é duvidar de nosso talento muitas vezes. Quantas vezes já pensei em desistir desta vida e me senti uma zumbi. Chorei copiosamente certo período em que não conseguia concluir nenhuma história. A escrita é algo do qual não consigo me desvencilhar, e eu tenho certeza absoluta que esta é minha missão neste mundo: ser escritora.
ResponderExcluirSou daqueles que não acredita em baixa literatura e alta literatura. Acho que todo escrito tem seu público.
ResponderExcluirConcordo com Sara e com Pedro acima e mais uma vez deixo uma crítica ao Linné.
ResponderExcluirAmigo escritor, você é preso a moldes antigos. Somos contemporâneos, entenda isso. Somos da era do tiopês (aquela escrita errada do msn) e até isso virou arte.
Parafraseando a Bíblia:
Não é por seu muito falar que serás ouvido.
E completando por conta própria:
Não são por palavras bonitas que farão as pessoas te adorarem. Já lhe disse isso em outro tópico.
Se entrarmos no ramo da Teoria da Literatura que é o que nos explica, poderíamos dizer que fazemos poesia, tecnicamente, seguindo as regras. E ainda segundo essa Teoria, toda obra publicada é literatura, por mais que não seja bela.
Já se entrarmos no quesito arte (do latim ars - que significa técnica ou habilidade) estamos devidamente amparados.
Mas no quesito obra-prima eu mesmo seria reprovado em muitas de minhas poesias, o senhor também. Mas só preciso de uma e o senhor também, que seja a obra máxima para ser conhecido mundialmente.
Deixando de mediocridade, afinal somos poetas, só precisamos de uma para tocar o coração de alguém e essa se tornar agradecida, ou até refletida no nosso espelho.
Para que não hajam dúvidas, dessa vez foi sem elogios.
Cada um crê naquilo que muito lhe convém.
ResponderExcluirEscrever é, em si, não se ter certeza, é correr um risco. Seria muito cômodo saber se o que escrevemos é ou não é Literatura, simples assim como parece ter sido à Frida quando Diego lhe afirma que sua pintura é arte. Eu não estava lá, na vida desses dois (o máximo que vi foi um filme) mas duvido muito que na vida do artista esta questão se dissipe assim, com apenas uma resposta. Ao meu ver, a dúvida acompanha, veem-se altos e baixos, momentos de descrença, outros de crença, concursos que premiam textos que achamos que foram medíocres, textos que achamos maravilhosos recebendo o "tente novamente numa próxima edição". Acho que esse é o panorama e até entendo seu questionamento. Só que acho, também, que a dúvida não vai se apagar assim.
ResponderExcluirO que é Literatura, afinal? O que é Arte? Um sistema que define o que são hoje, pode muito bem, no futuro, determinar que não são. Quero dizer: Van Gogh morreu sem ver o seu reconhecimento; para muitos, não era arte. Para ele, não sei dizer. Mas digamos que ele se qustionasse sobre isso. Se pudesse viver por mais de cem anos e ver como seu trabalho é reconhecido no estatuto de artístico, talvez fosse menos infeliz, quem vai saber? Mas quem defini o que é, o que deixa de ser, arte ou literatura? E os parâmetros? São confiáveis?
Para mim, vale o escrever, enquanto processo e as crenças se dirigem mais na questão de, no universo do trabalho do escritor haver seu pensamento, seu desejo de transgredir, trabalhar a linguagem - ou o que mais interessar ao seu processo. Se o resultado será ou não Literatura... não saberemos. Alguém de fora sempre se proporá a dizer se é ou não. Mas o que vem de fora nem sempre é confiável. (E nem o que vem de dentro também, muitas vez...).
Um abraço.