sábado, 20 de novembro de 2010

Vórtice

Ontem tive uma crise do que, por falta de definição melhor, chamarei de loucura. O resultado disso se amontoa em seis páginas manuscritas em tinta escarlate, todas produzidas em um banco de praça.

Não vou publicar tudo porque seria excessivo e desnecessário. Além disso, fazê-lo seria invocar para mim uma internação compulsória, coisa que não preciso por hora. Apesar desses avisos e ressalvas, seguem alguns trechos, frases soltas. Se não as entender, não pense que isso é devido ao caráter fragmentário da publicação. Tampoco alguém entenderia se eu publicasse aqui o texto inteiro.

“Eu não te entendo-me. E isso me dá medo.”

[...]

“Chorei copiosamente – como bem se diz – embora umas poucas lágrimas secas. E aí eu quis mesmo entender: eu choro escondido por vergonha ou pelo intenso medo de ser consolado? Eu não sei. Chorei num banco escondido, nos muitos lugares de se esconder choro na UPF. Depois tive vontade de ser profético, poético e um pouco vândalo e escrever assim: ‘V. Linné chorou aqui’. Não escrevi.”

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“Peguei o ônibus extasiado, tomado do meu pior torpor ruim. De perigosamente distraído desci errado e fui parar numa praça, longe de onde eu queria.”

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“Devo dizer que Passo Fundo tem praças boas de se chorar enquanto se espera uma tempestade”

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“Foi nesse momento que tive medo. Tive, porque não me conheço, só me adivinho. E, adivinhando mesmo, me aterrorizo. Sim, porque naquele atravessar de ruas eu era capaz de seguir para os becos da nunca mais saída. Eu era capaz, também, de me jogar fatal em frente a um carro qualquer, desde que branco.”

[...]

“Os fiéis estavam de bocas escancaradas, gritando os seus ‘hinos de glória’. Nas escadarias da igreja, uma bugra de tetas enormes postas pra fora, dando seu rico leite a um bugrinho de colo. Na calçada um velho sujo vinha passando e escarrou grosso no mármore escuro. E eu os invejei a todos. Aos fiéis por terem o Deus. Ao bugrinho por ter um leite que eu mesmo não tive. E ao velho sujo – principalmente ao velho sujo . Ele é o dono do mundo. Afinal, não se pode cuspir no que não nos pertence..”

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“Eu queria letras nas quais eu pudesse despejar o sumo grosso dessa minha vertigem”

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“Bolas de isopor. Bolas coloridas de vermelho e prata, tão surreais, penduradas no ar... Bolas? Eu quase quis tocá-las, como criança faria, mas não pude. Senti que elas se desfariam, ou me desfaria eu”

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“Por isso essas páginas, porque só escrever me salvaria. Porque escrever eu conheço. Escrevendo eu me sei, eu me aceito, eu quase me entendo. Escrever é antídoto.”

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“Voltei à mesma praça. À missa no fim. Ao bugrinho vomitado. Ao cuspe já ceco.”

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"Às vezes o motivo é tão pequeno... mas se morreria por ele, do mesmo jeito."

[...]

“Escrevi com dor e libertação. Escrevi até não poder e um pouco além. Escrevi me psicografando. Escrevi enquanto o calor virava frio morto. Escrevi alheio aos que passavam e me viam, despudorado, em pecado de mortal salvação. Escrevi louco e só. Escrevi. E a tempestade não veio.”

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