Eu já estava no chuveiro enquanto ela ainda escovava os dentes. Nosso primeiro beijo foi assim, comigo molhado, com ela cuidando os respingos. O segundo foi quando eu já colocava as calças e ela saía para o trabalho. Ao sair ela deixa meu guarda-chuva sobre a cama. Ela sabe que eu não vou levar. Me conhece.
Na esquina a dúvida: ia direto para a rodoviária ou passava antes na Padaria? O barro no caminho para a padaria me fez decidir.
Na rodoviária três velhas sentadas no banco, esperando, enquanto discutiam animadas a possibilidade de uma delas fazer carteira de motorista. Duas das três eu conheço desde pequeno. Elas, no entanto, não lembram de mim. Não me reconhecem como o menino de quem apertavam as faces coradas. Eu sento com elas e espero, mudo.
O ônibus chega e o motorista é a cara do Sérgio Loroza. Embarco. Embarca uma das velhas a fazer coro com as demais já dentro do ônibus.
O motorista dá partida e seguimos. O asfalto parece um amontoado de buracos, o ônibus parece querer virar a todo custo. As velhas gritam e riem, felicíssimas, como se fossem morrer. Tenho a impressão de que estou dentro de uma coqueteleira, sendo jogado para todos os lados. Sério. Alguém poderia fazer sexo aqui dentro ficando imóvel, e ainda assim teria a transa mais intensa da vida.
Ainda em Tapera o ônibus para. Sobe uma "jovem senhoura" toda de rosa, dos tênis à fita de cabelo. Na bolsa da mulher a explicação: Pedagogia, em letras garrafais. O moço que a levou até a parada é alto, loiro, não mais de 25 anos. Parece estar olhando para uma musa.
Vamos. Agora que acostumaram ao balanço de terremoto e perceberam que não morrem hoje, as velhas se fecham em caras amargas.
Em Victor Graeff entra uma coquete, acompanhada do pior tipo: o galã de rodoviária. Ele tenta ser sedutor e engraçado a viagem inteira. Como se ela fosse transar com ele por isso.
Chegamos em Passo Fundo. A primeira coisa que acontece é chover. E o guarda-chuva na cama.
Desembarco na rodoviária. Agora é esperar.
Ah, que delícia começar assim o dia!
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