sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Nicinho

Sei. Eu sei que tu não suportas ser chamado assim. Contudo, começo dessa forma. Não como provocação, mas como forma de te contar que só quem te amar demais te chamará desse jeito. Então, não fique zangado, aceite...

Aceitar, aliás, é uma coisa que tu custarás bastante a aprender. E eu preciso, mesmo, que tu te esforces bem nessa lição. Assim, quando chegares na mesma janela em que estou eu a olhar para baixo, para os outros andares, poderás não ver tantas rachaduras nem tantas janelas quebradas.

Um dia tu vais aprender que aceitar os teus erros é o modo mais fácil de transformá-los em acertos. Se não de vida, ao menos de evolução. Tu não serias metade do que és sem teus erros, acredite em mim. Então dê espaço para eles também dormirem junto ao teu peito, feito inquilinos que não pagam o aluguel e fazem barulho demais, mas sempre te socorrem nos momentos de escuridão.

E por falar em momentos de escuridão, quando eles acontecerem, não te esqueças que há sempre um lugar para o qual fugir: o miolo dos livros. Bem cedo tu encontrarás o fascínio das letras e a maravilha de esconder-se entre as curvas delas. E isso vai te transformar a vida inteira, assim como nas mágicas que acontecem nas histórias que hoje tu mais gostas de ler: “Os dois bruxos” e “O pássaro de ouro”. (Prometa-me que cuidará dos dois livros pra mim, sim?!).

Escreva, Nicinho, escreva. Quanto antes começares tanto melhor. Aos oito anos, quando fizeres tua primeira poesia, descobrirás o mistério da arte. E se mais não conto é para não te estragar todo o fascínio que essa descoberta te causará.

Ah, menino, eu queria tanto te dizer para tomares cuidado com isso ou aquilo. Para não fazeres certas coisas e não evitares tantas outras... Mas meu medo é tremendo. Sim, ainda grande terás medo e não mais de que o mundo acabe quando tiveres só doze anos. (E a propósito, não, ele não acaba em 2000). Terás medo de que, mudando alguma coisa, um ínfimo passo, tu não estejas um dia a te escrever esta carta. Sim, Nicinho, porque daqui tu vais descobrir que valeu à pena. Daqui poderás ver o quão alto tu subiste e quantos andares ainda te esperam.

Então, por esse medo, termino. E não com uma recomendação, mas com um conselho: viva. Viva e aceite tudo que a vida quiser te oferecer: amores, decepções, vitórias, amizades, revoltas, tudo, enfim. Daqui eu descobri que o amargo dá tanto gosto à vida quanto o doce. E só o gosto da e pela vida é capaz de nos fazer subir mais um andar, degrau por degrau, resistindo sempre à tentação de pular a janela.

Com amor imenso,
Vinícius

PS: Pergunte a alguém sobre a frase no muro.

Um comentário:

  1. Muito lindo. Quem dera fosse possível essa carta ser entregue, ou outras que pudéssemos fazer a nós mesmos.

    Olha só o que o Tempo nos faz... o que será que você estará escrevendo no futuro, para seu eu atual?

    Belo texto, nos faz pensar sobre muito...

    ResponderExcluir

Obrigado pelo seu comentário.