domingo, 26 de fevereiro de 2012

O meio da árvore


Passeio pela casa exausta que, às vezes, é minha. Transpasso meu corpo pelas cortinas, sinto nos dedos o toque plástico da madeira branca. Atravesso a porta da rua, ando pelos jardins, encontro pouso no balanço enferrujado de sonhos.

As cigarras zunem espalhando o verão. Os cachorros cavam a desenterrar seus ossos ancestrais. Um beija-flor estupra sua beija-flora. E eu tento - bem em vão - agarrar o sentido. Tento engarrafar nuvens, mãos que sentem só o toque do vento, olhos que se fixam e se demoram como os olhos dos mortos.

O que eu faço aqui?

O que sou eu entre a grama bem aparada e o céu de um azul cortante? Eu não encontro resposta sem quebrar. Então deixo, bem lentamente, de procurar. Não me interessa nem a pergunta. Nada me interessa mais. Nada me arrebata ou me eleva do chão. Talvez isso seja mesmo algum tipo esquisito de morte. Como se uma árvore morresse por dentro, ficando de pé apenas pela dura e velha casca. Esfarelado, enegrecido e podre o seu cerne velho.

Eu procuro pensar nos caminhos começados. Eu procuro pensar nas portas ainda não abertas. Eu procuro pensar nas metas, nos passos, nos objetivos sistêmicos. Não consigo. Sou árvore. Árvore podre e oca. Coisa que está plantada sem querer. Coisa que não tem a morte de cair. Coisa que não descansa nem no além.

E tudo me inferniza e tudo me corrói e tudo me transtorna. Nada me derruba de vez. E não cair, talvez, seja meu mal. Porque quem cai pode levantar. Pode reviver. Pode adubar o solo e permitir que brotem os cogumelos vermelhos. E quem não cai, Deus? O que faz quem não cai?

Vegeta? O que é morto nem vegeta. Então me dê, Deus, a queda de glória. A queda bendita. A queda que destroça, que espalha farpas, que faz barulho mesmo que ninguém escute. A queda que quebra toda a casca e liberta a putrefação do miolo. A queda da qual verte a água negra do que um dia já foi seiva verde.

Ou então, Deus, faça - se for de sua maligna vontade – surgirem-me brotos novos. Trata-me feito um Lázaro de lepra nos nervos. Ressuscita-me para espalhar tua glória e provar que me contrarias até à morte.

Só não me deixe, Deus, continuar assim. Porque já é morto tudo aquilo que não sente.
E já não tem vida o que não se faz sentido.


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