No cinzeiro de jade, junto às cinzas do último cigarro dele, cada pedacinho das unhas roídas e vermelhas dela. O quarto todo ainda respirava almíscar e na janela as nuvens vinham espiar tímidas o que não aconteceu.
Ele veio de longe, desafiando o vento e o tempo voraz. Veio só porque ela chamou. Veio porque já não podia sozinho com o que sentia no peito. Precisava, feito terrorista, explodir o coração perto dela, ferindo-a com farpas e os rastilhos de pólvora.
Depois de ter-lhe dito “venha cá”, ela esperou. Esperou com a impaciência do desespero. Como se ele trouxesse no peito escarlate qualquer veneno capaz de curar-lhe as ânsias de morte. Esperou pintando as unhas e os planos de sequer deixá-lo falar. Tão logo ele entrasse, cobriria sua boca com um beijo e o derreteria ali, em plena cama, desarmando bombas e sorvendo calma toda cura de dentro dele.
Enquanto subia as escadas, cada degrau uma tacada nos nervos, ele também desenhava dentro de si o que aconteceria naquele quarto. Assim que ela atendesse, ele explodiria em traços tão vermelhos quanto as rosas que carregava nas mãos. Atiraria, pois, as flores ao chão e a tomaria em seus braços romântico, ultrapassado e carnívoro.
Quando abriu a porta, ela não soube como fazer. Agradeceu as flores. E ele não soube o que dizer ou onde tocar. Derrubou o chapéu. No mesmo momento captaram o erro. A ousadia imaginada, feito fada dos contos, recolheu-se à imaginação, medrosa do real que é.
Ela ofereceu um café, ele aceitou um cigarro e o relógio parou para ver com seus altos ponteiros o que acontecia. Era engraçado. O relógio ria. Os dois atravessaram mundos e se jogaram maldições só para se encontrarem ali. E agora nenhum deles sabia como começar.
Sim, porque imaginavam – sempre a imaginação – imaginavam que depois do primeiro toque, todo o resto aconteceria naturalmente. Esperavam, tensos, como se espera alguém puxar o pino da granada que tem presa à própria mão.
Quando ela levantou trocar a música, ele ensaiou um gesto tímido. A mão levantou das pernas feito borboleta manca e bem quase pousou nos cabelos dela. Não pousou. Quando ele foi à janela ver se já anoitecia, ela tentou soltar um dos botões da blusa, quebrou a unha.
Quando o ar cansou de ser respirado e a tensão já quase sufocava aqueles dois, ele levantou dizendo que era melhor ir. Que ainda precisava ver uma tia adoentada e comprar-lhe um elixir. Os dois sabiam que era mentira. Uma pena, ela disse. Quase desejando empurrá-lo pelas escadas, matar quem testemunhou o assassinato da ousadia. E do amor. E do amor?
Porque se nenhum jamais agarrasse o outro firme, não passariam daquilo. Daquela encenação de atores sem falas. Daquela falta de graça. Daquele desaproveitamento de pele. Daquele desperdício de hormônios e fluidos e carnes.
Não. Ela precisava fazer alguma coisa!
Não. Ela precisava fazer alguma coisa!
Deu-lhe a mão. Que voltasse, outra vez, outro dia. Quando a porta se fechou, cada um desejou morrer à sua medida. O chão faltava. As paredes tremelicavam de riso. Lá fora os carros gargalhavam rápidos enquanto ele descia a rua, chapéu na mão.
Só houve tempo para que ela roesse a unha quebrada. Para que descesse correndo a escada. Para que gritasse o nome dele, antes que ele chegar na esquina. E o nome dele, assim gritado, desvirado no ar, batendo ecos nas casas foi como a palavra mágica que faltava.
Como se tivessem dito os infinitos nomes do diabo e perturbado o mundo a ponto da ousadia não saber onde se refugiar. E escolher a humana realidade. Ele, por sério que era, correu, sorriso no rosto, chapéu descendo a ladeira. Ela, por míope que era, tirou ligeira os óculos para que não se machucassem.
E explodiram!
Silenciosamente explodiram os dois. Em um arrepio de bocas e línguas cuja fumaça cheirava à jasmim e alecrim. Em um rodopio de fogos vermelhos e morangos maduros que espocavam antes de chegarem ao céu. Explodiram. E o único som que se ouviu foi o da primeira gota de chuva.
Sim, naquela noite haveria tempestade. E naquela noite haveria também, até que enfim, amor.
Sim, naquela noite haveria tempestade. E naquela noite haveria também, até que enfim, amor.
Duas tempestades então.
ResponderExcluirPerfeita descrição das ansiedades de um sentimento.
Que nunca nos falte, então, o PRIMEIRO ATO... e que nunca seja tarde!
ResponderExcluirS
É tão legal quando tem espaço para um final feliz!
ResponderExcluirÀ flor da pele...
Adorei.