Estamos em um limiar perdido entre o dia e a noite. Os últimos pássaros cantam distantes, em uma ânsia de medo e sono. Da minha janela pode-se ver uma rosa vermelha. Que de tão pequena, murcha e deselegante, conserva o viço fresco do que é imperfeito.
E neste princípio de anoitecer, cães hidrofóbicos gritam meu nome pelas ruas, eu bem o sei. Levem, sarnentos, este pedaço de pão. Não preciso dele, não passo fome. Roam o miolo raivosos e babentos, se ponham a latir bem alto e mostrar os dentes. Há animalização em tudo que deveria ser humano e bom.
Prefiro me conservar em uma virtude necessária, como os santos de rostos gésseos e serenos lá no altar. Acima da cabeça dos homens, sem pecados, sem carnes, sem pão.
Declino-me a um pecado tão soberbo que mereço a posição de destaque e esta auréola iluminada. Gosto de me afundar pensando assim, que sou melhor, tão melhor do que os cães que pela rua ladram.
Como bem disse a música “Somos quem podemos ser”.
Os cães rosnam e viram e latem até no fim achar uma cadela renga que lhes abra as pernas e faça mal-feito seu papel de fêmea. Que abaixe a cabeça todo aquele que precisa de um osso.
Sou muito mais os gatos que de fome não morrem porque caçam. Mantém a pose, mesmo magros, imundos e inundados. Aquele olhar soberano e indiferente que lembra, não os santos míseros mortais, mas os deuses.
Sem dúvida, nesta luta de cães e gatos, fico com a elegância e o porte dos felinos. Levem o pão, porque como whiscas.
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