— Vocês já contaram a ele sobre a professora?
— Contar o quê?
— Que ela é preta... É melhor contar. Algumas crianças quando chegam lá dão pra trás...
— Mas será que precisa mesmo?
— Eu acho melhor.
- - -
— E daí, Vinícius, faceiro com o começo das aulas?
— Aham.
— Você sabia que o nome da sua professora é Marli?
— Não...
— É sim... E tem mais uma coisa. A profe é pretinha.
— Tá.
— O teu pai teve uma profe assim também. Ela era a mais querida, sabia?
— Aham.
Eu não entendi o cuidado. Eu era criança e não entendia muita coisa. Achava então que não entender era meu modo normal de ser e assim ia inventando as coisas. Hoje entendo, embora ainda invente. Entendo que o preconceito não vinha das crianças de 4 anos, mas dos pais de algumas delas. Foi uma tia que pediu que minha mãe me “preparasse” e minha mãe, embora contrariada, o fez. Eu não via diferença de cor. Ainda não vejo.
Chegou o dia de começarem as aulas. E uma das minhas primeiras lembranças disso, depois da minha mochila colorida e do meu medo de entrar na sala, é da minha professora. Não lembro de ter reparado na cor da pele, mas de ver um sorriso de adoçar um mundo inteiro. Lembro de ganhar um abraço fofo, de dizer meu nome tímido, de entregar a ela minha escova de dentes com cabo de girafa.
Lembro dos trabalhinhos que fazíamos. Coisas para pintar, recortar, colar. Lembro dela sentando do nosso lado, perguntando o que tínhamos desenhado. Lembro de explicar aqueles riscos todos dizendo: “Aqui é minha casa que pegou fogo porque minha mãe esquece o lençol térmico ligado. E aqui é o caminhão dos bombeiros. Ah, essa é a Duda, minha cadela. E essa é a Xuxa. A da TV.”
Lembro dos bilhetinhos que ela colava na nossa agenda. Das estrelinhas coloridas que enfeitavam os cartões. Lembro dela pedindo, no Natal, que presente queríamos, para que ela os escrevesse ao Papai Noel.
Lembro do parque, o imenso parque de areais crocantes e balanços azuis. Lembro dos nossos jogos de descer de pé pelo escorregador, nossas guerras felizes com botões de camélias, nossas músicas de roda e canções de reis.
Lembro da profe Marli, sentada no murinho de pedra, colorindo com canetinhas de invejar desenhos que seriam colocados como capa dos nossos trabalhinhos do semestre. Sempre sorrindo, sempre feita de doçura e carinho. Sempre encantando a nós, os pequenos.
Tempo, tempo, tempo.
Eu já tinha então 16 anos. Estava na escola em uma tarde de bastante sol. Saí para o pátio, e no parque, no mesmo muro, estava sentada ela pintando com suas canetas de colorir. Eram outros pequenos, mas eu me vi também ali. Acolhido pela profe, sentido a segurança e o amor que ela tinha por nós. Ela não me viu. Se tivesse visto, teria me abraçado, como fazia sempre que nos encontrávamos. Não importava que idade eu tivesse.
Queria escrever mais. Queria dizer mais. Mas minhas letras borram em meus olhos d'água. E a voz embarga, engasga num sentimento de lembrar de quem um dia cuidou de me fazer feliz. E que agora não está mais aqui.
“Ó meu pai do céu, limpe tudo aí
Vai chegar a rainha
Precisando dormir...”
Sim. O desenho que ilustra o post é um daqueles que ela pintava, enquanto brincávamos ao seu redor e éramos crianças um pouco mais felizes porque a tínhamos ali conosco.
ResponderExcluirProfe Marli. Muito obrigado por fazer parte da minha história. Por me ensinar o que há de mais importante: imaginação - e carinho.
arrepiei...
ResponderExcluirLuciane
Eu também agradeço por essas lembranças comum a algum de nós.
ResponderExcluirQue ela possa agora desenhar nossos horizontes.
Caramba... que lembranças! Pessoas assim nos inspiram. Amar ao próximo é tão raro hoje em dia.
ResponderExcluirNossa me emocionei com isso não sou de chorar, gosto de metal extremo sou ateu sou um cara bem frio não sou de chorar lembrei dos meus colegas quando eu era do colegial bem pekeno da minha professora que à chamava de tia Lucia ela era um pouco mal humorada as vezes mais mostrava sentimentos pelos alunos delas desmostrava amor pelo o q ela fazia eu na epoca tinha dificuldade de ler e de enteder as coisas ela me ensinava direitinho e meus amigos me apoiavam muitos deles ainta tenho contato com eles ontem fui a um evento evento e vi um deles, nossa gostei muito desse relato tbien lembrei da minha maew hoje em dia sou bem distante dela antes era mais proximo...
ResponderExcluirQue bom que você guardou com carinho as lembranças da Prof. Marli! Lendo o seu texto bateu uma saudade grande dela, lembrei dos nossos encontros, muitos risos e reclamações. Amanhã é o aniversário dela!
ResponderExcluirQue lindo...chorei me arrepiei e voltei ao tempo, obrigada por me fazer recordar duma epoca tao gostosa...nossa infancia ao lado de quem nos prepara para vida!!!! :'(
ResponderExcluirQue lindo...chorei me arrepiei e voltei ao tempo, obrigada por me fazer recordar duma epoca tao gostosa...nossa infancia ao lado de quem nos prepara para vida!!!! :'(
ResponderExcluirQue lindo...chorei me arrepiei e voltei ao tempo, obrigada por me fazer recordar duma epoca tao gostosa...nossa infancia ao lado de quem nos prepara para vida!!!! :'(
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