Compreender Deus? Ainda mais filosoficamente?
Eu explico.
Quais são as principais características de Deus?
Onipresença (estar em todos os lugares); onisciência (saber de todas as coisas) e onipotência (ser capaz de fazer tudo).
Quais são as principais características de um escritor (com relação à sua obra)?
Onipresença (estar em todos os lugares); onisciência (saber de todas as coisas) e onipotência (ser capaz de fazer tudo).
Quem ergueu o dedo para discordar, leia novamente. Eu não estou falando do narrador (este muitas vezes não possui estas características, mas porque assim achou melhor o autor), e sim do escritor.
Pensem comigo: Cada vez que eu crio um personagem, este personagem passa a existir.
Não, eu não estou falando de universos paralelos, nem nada assim... Mas na imaginação de alguém (nem que seja na minha) ele surge e ganha vida. Sobre esta vida eu tenho total controle. Quem me conhece sabe que eu não costumo dar destinos agradáveis a estes seres por mim criados... Entendem então o remorso? Por isso a ligação entre Deus e os autores. Já ouviram falar de Poder Demiúrgico? Ah, esqueçam, eu não vou me fazer entender.
Para ter uma noção melhor leiam:
Um Sopro de Vida – Pulsações (Clarice Lispector): O último livro de Clarice, o que mais foge às explicações... A base da minha monografia e o que me fez ter noções meio loucas do ato de criação.
E assistam:
Mais estranho que a ficção: Nada que mereça um Oscar, mas o sentido é interessante. Uma autora, famosa por matar seus protagonistas no final dos romances, descobre que os livros que escreve acontecem de verdade enquanto são escritos (ou mais ou menos isso).
Coração de Tinta – Inkheart: Também o interessante aqui é a idéia. Prestem atenção especial ao Dustfinger, personagem de um livro e sua relação com o destino dentro da obra.
E, para finalizar, deixo um conto de uma autora de quem gosto muito pelos sentidos que é capaz de moldar às palavras:
Sabendo que a ele caberia determinar seus movimentos e controlar sua fome, o escritor começou lentamente a materializar o tigre. Não se preocupou com descrições de pêlo ou patas. Preferiu introduzir a fera pelo cheiro. E o texto impregnou-se do bafo carnívoro, que parecia exalar por entre as linhas.
Depois, com cuidado, foi aumentando a estranheza da presença do tigre na sala rococó em que havia decidido localizá-lo. De uma palavra a outro, o felino movia-se irresistível, farejando o dourado de uma poltrona, roçando o dorso rajado contra a perna de uma papeleira.
Em vez de escrever um salto, o escritor transmitiu a sensação de movimento com uma frase curta. Em vez de imitar o terrível miado, fez tilintar os cristais acompanhando suas passadas. Assim, escolhendo o autor as palavras com o mesmo sedoso cuidado com que sua personagem pisava nos tapetes persas, criava-se a realidade antes inexistente.
O quarto parágrafo pareceu ao escritor momento ideal para ordenar ao tigre que subisse com as quatro patas sobre o tamborete de "petit-point". E já a fera aparentemente domesticada tencionava os músculos para obedecer quando, numa rápida torção do corpo, lançou-se em direção oposta. Antes que chegasse a vírgula, havia estraçalhado o sofá, derrubado a mesa com a estatueta de Sévres, feito em tiras o tapete. Rosnados escapavam por entre letras e volutas. O tigre apossava-se da sua natureza. Já não havia controle possível. O autor só podia acompanhar-lhe a fúria, destruindo a golpes de palavras a bela decoração rococó que havia tão prazerosamente construído, enquanto sua criatura crescia, dominando o texto.
Impotente, via aos poucos espalharem-se no papel cacos de móveis e porcelanas, estilhaçar-se o grande espelho, cair por terra a moldura entalhada. Não havia mais ali um animal exótico na sala de um palácio, mas um animal feroz em seu campo de batalha.
O escritor esperava tenso que o cansaço dominasse a fera, para que ele pudesse retomar o domínio da narrativa, quando o viu virar-se na sua direção, baixar a cabeça em que os olhos amarelos o encaravam, e lentamente avançar.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, a enorme pata do tigre abatendo-se sobre ele obrigou o texto ao ponto final.
Eu explico.
Quais são as principais características de Deus?
Onipresença (estar em todos os lugares); onisciência (saber de todas as coisas) e onipotência (ser capaz de fazer tudo).
Quais são as principais características de um escritor (com relação à sua obra)?
Onipresença (estar em todos os lugares); onisciência (saber de todas as coisas) e onipotência (ser capaz de fazer tudo).
Quem ergueu o dedo para discordar, leia novamente. Eu não estou falando do narrador (este muitas vezes não possui estas características, mas porque assim achou melhor o autor), e sim do escritor.
Pensem comigo: Cada vez que eu crio um personagem, este personagem passa a existir.
Não, eu não estou falando de universos paralelos, nem nada assim... Mas na imaginação de alguém (nem que seja na minha) ele surge e ganha vida. Sobre esta vida eu tenho total controle. Quem me conhece sabe que eu não costumo dar destinos agradáveis a estes seres por mim criados... Entendem então o remorso? Por isso a ligação entre Deus e os autores. Já ouviram falar de Poder Demiúrgico? Ah, esqueçam, eu não vou me fazer entender.
Para ter uma noção melhor leiam:
Um Sopro de Vida – Pulsações (Clarice Lispector): O último livro de Clarice, o que mais foge às explicações... A base da minha monografia e o que me fez ter noções meio loucas do ato de criação.
E assistam:
Mais estranho que a ficção: Nada que mereça um Oscar, mas o sentido é interessante. Uma autora, famosa por matar seus protagonistas no final dos romances, descobre que os livros que escreve acontecem de verdade enquanto são escritos (ou mais ou menos isso).
Coração de Tinta – Inkheart: Também o interessante aqui é a idéia. Prestem atenção especial ao Dustfinger, personagem de um livro e sua relação com o destino dentro da obra.
E, para finalizar, deixo um conto de uma autora de quem gosto muito pelos sentidos que é capaz de moldar às palavras:
Um tigre de papel – Marina Colassanti
Sabendo que a ele caberia determinar seus movimentos e controlar sua fome, o escritor começou lentamente a materializar o tigre. Não se preocupou com descrições de pêlo ou patas. Preferiu introduzir a fera pelo cheiro. E o texto impregnou-se do bafo carnívoro, que parecia exalar por entre as linhas.
Depois, com cuidado, foi aumentando a estranheza da presença do tigre na sala rococó em que havia decidido localizá-lo. De uma palavra a outro, o felino movia-se irresistível, farejando o dourado de uma poltrona, roçando o dorso rajado contra a perna de uma papeleira.
Em vez de escrever um salto, o escritor transmitiu a sensação de movimento com uma frase curta. Em vez de imitar o terrível miado, fez tilintar os cristais acompanhando suas passadas. Assim, escolhendo o autor as palavras com o mesmo sedoso cuidado com que sua personagem pisava nos tapetes persas, criava-se a realidade antes inexistente.
O quarto parágrafo pareceu ao escritor momento ideal para ordenar ao tigre que subisse com as quatro patas sobre o tamborete de "petit-point". E já a fera aparentemente domesticada tencionava os músculos para obedecer quando, numa rápida torção do corpo, lançou-se em direção oposta. Antes que chegasse a vírgula, havia estraçalhado o sofá, derrubado a mesa com a estatueta de Sévres, feito em tiras o tapete. Rosnados escapavam por entre letras e volutas. O tigre apossava-se da sua natureza. Já não havia controle possível. O autor só podia acompanhar-lhe a fúria, destruindo a golpes de palavras a bela decoração rococó que havia tão prazerosamente construído, enquanto sua criatura crescia, dominando o texto.
Impotente, via aos poucos espalharem-se no papel cacos de móveis e porcelanas, estilhaçar-se o grande espelho, cair por terra a moldura entalhada. Não havia mais ali um animal exótico na sala de um palácio, mas um animal feroz em seu campo de batalha.
O escritor esperava tenso que o cansaço dominasse a fera, para que ele pudesse retomar o domínio da narrativa, quando o viu virar-se na sua direção, baixar a cabeça em que os olhos amarelos o encaravam, e lentamente avançar.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, a enorme pata do tigre abatendo-se sobre ele obrigou o texto ao ponto final.
Já vi um filme com esse tema. Era um terror. Existia uma escritora, e todos os personagens dela que não tiveram finais eram jogados num depósito, algo assim. E num belo dia, ela foi a esse depósito (parece tosco, mas até q foi legal)
ResponderExcluirBeijos!
Gostei muito do texto, ainda não tinha pensado desta forma.
ResponderExcluir"Escrever, minha cara, é também ser Deus."
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