"Difícil é aprender a ler, o resto está escrito"
Antigamente havia a Sentinela dos Livros e onde quer que fosse era aclamada como A Velhinha da Biblioteca. Era baixinha, muito branca, pele e cabelos, tinha o rosto franzido em constante expressão de desgosto. Confesso que não gostávamos dela. Tudo que nós, crianças, fazíamos parecia errado aos seus olhos sábios.
Mas depois, muito depois, quando fui iniciado no mistério dos livros, até a velhinha mudou. Houve um tempo em que eu ia a biblioteca todos os dias, pois realmente lia um romance por dia. Então a senhora passou a mostrar seu encantamento e sorriso. Contou-me muitos dos segredos das prateleiras e eu reparti também alguns dos meus.
Os tempos mudam. Depois dela vieram outras e nenhuma parou muito. Certa vez atendia um garoto irritante que me queria fazer levar para casa páginas sobre a segunda guerra, quando tudo que eu queria era levar uma das brochuras (por ele classificadas) como bestas e líricas em excesso. Ora, então eu sou besta e lírico, que mal há nisso? Deixa-me ser.
Outra moça, quando fui retirar um livro, disse que já saíra o filme da obra. Respondi ríspido: Sim, eu já assisti. Mas o livro é sempre melhor. Calou-se.
O que ouvi hoje me fez consternar. Um ser, de trás da bancada, identificado pela bibliotecária como “o novo bibliotecário” (não sei se de piada ou pilhéria), em conversa com outro ser acéfalo traça o seguinte discurso, aclamado, por sinal.
“Entra, aproveita enquanto eu não estou cobrando. Daqui um tempo vai ter que pagar para ver livrinho. Ah, que nada. Vou mandar tirar tudo isso daqui e vou colocar uma pizzaria. O ponto é bom. Não, melhor, vou colocar uma coisa de dançar. Isso. Uma gafieira, que ainda não tem em Tapera. Vou colocar só pra poder vir aqui aquela gostosa da novela. A D. Norminha.”
Ali seguiram barbáries que eu não tive mais a força de espírito de escutar. Eu acho que tremia de puro ódio. Então ele diz isso na frente dos livros, na biblioteca municipal da “Cidade Cultura”. Bati o livro que iria retirar sobre a mesa e tão logo preencheram a ficha saí, batendo também a porta.
O que precisa para ser um bibliotecário? Ser analfabeto funcional? Então eles nem entendem o quanto é sagrada a missão de guardar os livros? De quantos universos cabem ali? De quantas vidas se espremem naquelas páginas?
Ah, livros, que se incendeiem nas prateleiras antes de ouvirem coisa igual. Porque é preferível a destruição a essa total falta de sensibilidade e noção.
Que esta cidade toda apodreça na própria miséria porque hoje foi a prova cabal de que não há mais salvação. Então essa é a cidade cultura? Pobre Lygia que se retorce em seu túmulo de rosas amarelas. E se perguntarem não sabem que é Lygia, nem sabem o porquê das rosas amarelas. Mas o que eu esperava de uma cidade onde os bares são mais cheios que as (raríssimas) exposições de arte? Onde os blogs de taperenses que fazem fofocas recebem milhares de visitas a mais do que aqueles que fazem poemas?
Antigamente havia a Sentinela dos Livros e onde quer que fosse era aclamada como A Velhinha da Biblioteca. Era baixinha, muito branca, pele e cabelos, tinha o rosto franzido em constante expressão de desgosto. Confesso que não gostávamos dela. Tudo que nós, crianças, fazíamos parecia errado aos seus olhos sábios.
Mas depois, muito depois, quando fui iniciado no mistério dos livros, até a velhinha mudou. Houve um tempo em que eu ia a biblioteca todos os dias, pois realmente lia um romance por dia. Então a senhora passou a mostrar seu encantamento e sorriso. Contou-me muitos dos segredos das prateleiras e eu reparti também alguns dos meus.
Os tempos mudam. Depois dela vieram outras e nenhuma parou muito. Certa vez atendia um garoto irritante que me queria fazer levar para casa páginas sobre a segunda guerra, quando tudo que eu queria era levar uma das brochuras (por ele classificadas) como bestas e líricas em excesso. Ora, então eu sou besta e lírico, que mal há nisso? Deixa-me ser.
Outra moça, quando fui retirar um livro, disse que já saíra o filme da obra. Respondi ríspido: Sim, eu já assisti. Mas o livro é sempre melhor. Calou-se.
O que ouvi hoje me fez consternar. Um ser, de trás da bancada, identificado pela bibliotecária como “o novo bibliotecário” (não sei se de piada ou pilhéria), em conversa com outro ser acéfalo traça o seguinte discurso, aclamado, por sinal.
“Entra, aproveita enquanto eu não estou cobrando. Daqui um tempo vai ter que pagar para ver livrinho. Ah, que nada. Vou mandar tirar tudo isso daqui e vou colocar uma pizzaria. O ponto é bom. Não, melhor, vou colocar uma coisa de dançar. Isso. Uma gafieira, que ainda não tem em Tapera. Vou colocar só pra poder vir aqui aquela gostosa da novela. A D. Norminha.”
Ali seguiram barbáries que eu não tive mais a força de espírito de escutar. Eu acho que tremia de puro ódio. Então ele diz isso na frente dos livros, na biblioteca municipal da “Cidade Cultura”. Bati o livro que iria retirar sobre a mesa e tão logo preencheram a ficha saí, batendo também a porta.
O que precisa para ser um bibliotecário? Ser analfabeto funcional? Então eles nem entendem o quanto é sagrada a missão de guardar os livros? De quantos universos cabem ali? De quantas vidas se espremem naquelas páginas?
Ah, livros, que se incendeiem nas prateleiras antes de ouvirem coisa igual. Porque é preferível a destruição a essa total falta de sensibilidade e noção.
Que esta cidade toda apodreça na própria miséria porque hoje foi a prova cabal de que não há mais salvação. Então essa é a cidade cultura? Pobre Lygia que se retorce em seu túmulo de rosas amarelas. E se perguntarem não sabem que é Lygia, nem sabem o porquê das rosas amarelas. Mas o que eu esperava de uma cidade onde os bares são mais cheios que as (raríssimas) exposições de arte? Onde os blogs de taperenses que fazem fofocas recebem milhares de visitas a mais do que aqueles que fazem poemas?
A Dona Ledi devia ter sido declarada patrimônio da biblioteca e proibida de se aposentar.
ResponderExcluirAh, isso acontece, embora não devesse. Cachoeiro bem o sabe. Mas estamos tentando, viu?
ResponderExcluirOlá Vinícius,
ResponderExcluirMeu nome é Angela, sou gaúcha e bibliotecária. Ao ler seu texto, percebo que generalizou situações em que deparou com "alguns" bibliotecários. Concordo que haja pessoas assim, mas como em todas as profissões, não só na minha...
Constamente nós, os bibliotecários, somos julgados por seres que nem ao trabalho se deram de saber do que se trata a profissão, e de quais "tecnologias" usufruimos.
Esse comentário não é uma represália, por favor não entenda assim, mas sim um convite à conhecer a Biblioteconomia.
Um grande abraço,
Angela Saadi