sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Não há o que escrever

Se às vezes eu sinto medo é quando penso: “Pronto, já escrevi tudo que havia em mim”. Porque sim, às vezes me invade essa imensidão que é estar oco, vazio. A sensação que tenho é a de que nunca mais voltarei a ordenar letras e as pôr no papel com algum sentido lógico, ou ao menos metafísico.

Os dias em que padeço assim são de intensa melancolia. Procuro no ar qualquer inspiração. Qualquer. Eu forço o nascimento de textos inúteis, mal moldados e escurecidos pelo descuido no forno. Só o que eu preciso é a segurança de que voltarei a escrever algum dia.

Cada vez que as letras me abandonam eu fico só. Não, eu não mergulho naquela solidão boa, aquela que nos permite sermos nós mesmos. A solidão que me invade é aquela que dá medo, aquela que angustia, a de criança presa no quarto escuro. A escrita é volátil. Meu Deus, por que eu caí nessa armadilha?

O dia em que não escrevo é um dia a mais em que não vivo, vegeto. Cada minuto sem uma palavra é a garantia definitiva que nunca mais serei capaz de compor sequer um poeminho do contra.

E de repente me inunda a vontade de escrever. O texto flui cristalino e urgente, implorando que eu me converta em escritor, em poeta, em artista. É nessa entrega que eu fico vivo, mesmo que cada palavra seja uma gota do meu próprio sangue. Gota por gota, eu torno a me esvair inteiro e no instante seguinte já me vejo vazio, oco, inútil e morto. Já não há o que escrever.

5 comentários:

  1. Lindo texto!

    Uma vez eu escrevi: "Preciso me esvaziar para poder me preencher de novo". É isso. Já me senti como tu, mas agora mergulho fundo nesse vazio sem luz, e fico lá sem pressa para voltar. E quando finalmente chega a hora, ressurjo. Repleta de novo, e começa tudo outra vez. Sem medo. Só paciência.

    Beijo.

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  2. Renata.

    É... acho que com todos é assim.
    Essa inclusive é uma das minhas teorias na minha Mono, sobre Clarice Lispector.

    A escrita para ela (em algumas vezes) é uma espécie de catarse, um esvaziamento. Depois vem a angústia de se estar vazio... e aí recomeça o ciclo.

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  3. Maldito hiato que nos consome! O meu pelo jeito é crônico...
    Beijo

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  4. Alguém me joga umas migalhinhas, por favor, pra ver se eu ganho um recheiozinho?

    E fuçar por aqui é passeio sempre agradável.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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