quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O leilão da alma de Tita

Como Tita era santa, pura, puta e pecadora, decidiu leiloar a alma. Mandou mensagens por arcanjos decaídos e capetas promovidos, avisou a Deus e ao Diabo, marcando o dia, a hora e o local.

Como cada fiel é muito, apareceram os dois, o das grotas profundas e o das nuvens recém-lavadas. Tita não se enrodilhou com preâmbulos tortos, juntou logo o martelo disposta a ouvir o primeiro lance.

Em quentes baforadas enxofrentas o Diabo foi o primeiro apregoar:

— Pago em cheque ou cartão. Pago a vista e cobro a prazo. Dou fama, dinheiro, riqueza e fortuna, trago a pessoa amada em três dias e devolvo troco.

Tita sorriu. Era o que queria. Antes de bater o martelo, porém, preocupou-se com o que Satã faria da alma, depois de reclamá-la. Indagou ao chifrudo que lhe disse assim:

— Ora, depois de pegar o que me é direito, eu queimo, asso, como e desfaço, pela eternidade e um pouco mais.

Desengraçada, Tita respondeu que melhor era ouvir primeiro a outra parte. O Sr. Deus que se pronunciasse. Para seu espanto, Ele respondeu com o seguinte:

— Não compro alma, só vendo lugar no céu. Sala, cozinha, três quartos, duas nuvens, garagem, banheiro e anjo na portaria. Eternidade sem preocupação e com conforto. Interessa?

Pois interessava. Melhor era do que viver bem em vida e mal na morte. Porque a morte era maior e mais comprida que a vida, Tita sabia.

— Qual o preço, seu Dotor?

Deus riu alto.

— O preço é baixo: caridade, fé, devoção e outras parcelas pequenas, com renúncias altas e juro zero.

Tita pois ficou-se acabrunhada. O que mais valia? Vender a alma ao Diabo ou pagar a Deus para levá-la?

Pensou, pensou, pensou. Por mais que pensasse a moleira não dava de si e nada saía dali. Ou gozava de uma vida plena e padecia no inferno, ou padecia na vida e gozava no céu.

De repente uma idéia se relampeou. Era isso. Confiante Tita passou a mão no martelo de ferro e dando três batinas na mesa gritou assim:

— Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Vendida a alma para a Tita Márquez!

Pois se era sua a alma, ela mesma comprava. Depois de morta faria o que bem quisesse, afinal, Tita agora se pertencia.

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Conto que me divertiu fazer. Inspirado na frase anterior que foi inspirada na minha leitura atual: As Palavras Andantes de Eduardo Galeano. Recomendo.

3 comentários:

  1. Bem fez a Tita que ficou com a alma para si.

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  2. Vini...

    Até que Tita resolveu rápido, eu demoraria mais um pouco...

    Adorei teu blog, vou segui-lo :)
    Obrigada pela visita no meu.

    Abraço.

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Obrigado pelo seu comentário.