É 8 de dezembro, faz 27 graus e há 3 dias eu acordo com 24 anos. Não gosto do número. Detesto todo número que é par. O 25 do ano que vem também não me agrada. É natal demais. O 26 será novamente par. Isso significa que só estarei de acordo novamente quando estiver com 27 anos. Espera-se então.
Eu saio na rua e a rua é quente. As nuvens tratam de abafar o dia. Passo pela cidade, eles me olham e falam meu nome, descaradamente. Vou em um banco para tirar dinheiro e depositar no outro. Quando chego no outro, me avisam que há quantia suficiente para eu pagar meu boleto. Mas como? Depositaram para você. Hoje de manhã.
Fico sem saber o que fazer do dinheiro do primeiro banco. Desperdício de tempo e caminho. Logo agora que eu vivo o estritamente necessário. Logo agora que todo excesso é sumariamente evitado ou descartado.
Sorrio educado para a moça do caixa e desisto do depósito. Amanhã eu volto ao banco primeiro e deposito de volta. Um inferno.
Vou à padaria e os cookies são frescos. Preciso comprá-los para encher um pote. Ághata me ensinou: nunca se devolve um pote vazio. Superstição? Não, educação, gentileza, sensibilidade, esses toques tão frescos quanto os cookies que eu teimo em reproduzir com rigor.
Olho para Clarice Lispector. O tempo todo estive de mãos dadas com ela. Vou para devolvê-la, mas é outro desperdício. A casa não abriu ainda. Olho de novo para ela. Vire-se, ela me diz, carregando bem o erre e soprando-me fumaça azul na cara. Estou atrasado em devolvê-la, mesmo sem tê-la aproveitado. É que não me foi necessária a luz do Lustre. E vivo hoje, como disse, o necessário apenas.
Trago Clarice de volta para casa. Agora precisarei de mais dinheiro quando eu for devolvê-la, para que a aceitem. Como um resgate, só que ao contrário. Pago para que a aceitem. E pago para que me perdoem.
Entro na casa e tiro a roupa toda. Como se nela estivesse grudado o calor. Não está. O calor vem do ar e parece que não choverá nunca mais. Tomo um banho, coloco outra roupa, tento ler alguma coisa. Não consigo. Tento corrigir algum trabalho. Não consigo. Tento preparar a aula de amanhã. Não consigo. Tento dormir. Não consigo. Tento fotografar. Não consigo.
Só o necessário, relembro.
Vou à cozinha e não derramo os cookies no pote que vou devolver. Os arranjo de tal forma que façam a figura de uma flor. Ninguém vai perceber, eu sei. Mas Ághata me ensinou que é assim que se fazem todas as coisas. Vivo o necessário. E a flor de cookies é necessária. Vital até.
Acho que a rotina nos acompanha mais do que os números.
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