Tua vaidade se acaricia
nos pelos das minhas pernas
e cada elogio teu arrepia
toda pele do meu púbis
Olho para os números e os números me dizem coisas. Como se fossem letras. O número baixo de postagens desse mês significa que.
Agora perco a reflexão. Vou em outros lugares, ler outras coisas.
O homem de terno cinza, gravata cinza, chapéu cinza e guarda-chuva está em frente às paredes – e são muitas paredes, como prédios, mas sem janelas, só entradas, portas entalhadas na pedra, vãos escuros. Ele olha os cartazes das paredes. Desbotados, coloridos de amarelo, ocre e laranja. Cores que um dia, quem sabe, foram vermelhos e púrpuras e azuis e grenás. O céu é azul-esbranquiçado. O sol está a pino, como em um meio-dia. Só que são quatro horas da tarde. Ninguém diz, não há relógios, mas são quatro horas da tarde e o homem olha cartazes. Às vezes com fingida atenção, outras com aquela indiferença. Como se o trabalho do homem fosse olhar os cartazes. Ou como se ele os olhasse e pensasse nos cartazes que ele mesmo já não faz.
Leio outros textos e alguns me empolgam a ponto de eu erguer os olhos. Para outros eu fecho e passo a entender o porquê de todos os manuais de instrução pregam o anti-semitismo dos adjetivos. “Ele é de escorpião. Insuportavelmente sexy e apaixonadamente sério.” Quase vomito os pedaços de melancia que antes devorei com luxuriosa gula, lambendo os dedos, as sementes e as facas; Sempre pensando nas uvas verdes.
Nunca coma uvas com melancias, dizia Ághata. Meu avô, lá na Inglaterra, abriu um cantinho de melancia e colocou dentro bagos de uva. A melancia empedrou inteira. Inteirinha. E ficou roxa. Horrível de se ver.
O homem ainda olha cartazes. De repente batidas de sino. Como dando as horas, no relógio que não há. Ele olha para o pulso, sem relógio também, prepara-se, dá mais alguns passos e empedra. Todo em sulcos e veias em tons de roxo e melancia, inchando bem o pescoço e cuspindo caroços.
Leio elogios e escrevo um poema. Eu todo de vaidade intumescida e latejante. Mais alguns elogios eu poderia fazer brotar um texto inteiro. Um texto descente, daqueles que dizem o que esperam que a gente diga.
Tipo um texto que falasse coisas sobre amores e rejeições. Sempre há amores e rejeições. E o rejeitado sempre diz coisas como se quem perdesse fosse o rejeitador. Não perde nada. Se você quer saber, a dor de cotovelo morde o mundo. E eu escreveria sobre dor de cotovelo sem tê-la, só porque dá audiência. Coisa que não dá mensagens assim, como essa, sobre uvas e pedras e melancias.
E em todo lugar aquele homem vira pedra e as pedras racham e os cartazes velhos rasgam e tudo vem abaixo em poeira cinza. Sobra só o guarda-chuva. Ou melhor, sobram só as varetas do guarda-chuva. E o tempo passa, acelerado como nos filmes. Dias e noites e noites e dias e mais rápido assim: diasenoitesenoitesedias até não se poder mais ver: dinoitestdiesdasoitedis. E tudo pára. E das cinzas do chão nasce um broto verde, folha por folha. E outro lá e outro ali e outro lá longe, até tudo ser uma ramagem verde abaixo do sol que amanhece. E de repente os frutos. Pelo chão, em ramas selvagens, uvas e melancias. Melancias rachando de tão maduras – sem que ninguém as coma. E a explosão de vida roxa e vermelha e verde. Divina. E o trinado das moscas no suco das frutas. E os vermes corroendo as polpas coloridas e as melancias encontrando-se com as uvas e tudo virando pedra. E os vermes virando homens. E os homens pintando cartazes. E os cartazes desbotando. E o homem consertando as varetas do guarda-chuva. Tempo, tempo, tempo. E eis o homem de terno cinza, gravata cinza, chapéu cinza e guarda-chuva.
Termino tudo e penso no que não disse sobre números. Paciência. Não há o que dizer, porque os números que eu via já desbotam a ponto de eu não saber mais diferenciá-los. E as uvas ficam tão roxas quanto são as melancias vermelhas. E eu já sinto na boca outro gosto. Outro doce. E não importa mais se não vai chover. O amanhã nascerá amarelo. Sim, no amanhã haverá manga com leite.
gostei muito
ResponderExcluirperfeito
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