quinta-feira, 8 de março de 2012

A Peregrina do Seminário (As Taperenses)*

São poucos os taperenses que podem dizer, sem leves mentiras, que moram bem perto do Coração de Jesus. Isso é privilégio daqueles – e daquelas – que moram no Bairro Seminário.

Bairro antes composto de campos macios, agora sofre uma urbanização assombrosa. As casas brotam como que do chão, cada qual no seu estilo próprio, tentando, com suas cores e traços, superar as demais.

A nossa bela de hoje não mora no Seminário, embora bem o quisesse. Ela só o visita, religiosamente e várias vezes ao dia. Quem pensa que tudo isso é em busca de milagre, vela e oração, está bem enganado. Ela vem é atrás de outro consolo: a roda de chimarrão.

Roda que em determinadas casas já virou carrossel, em cada assento uma fofoca de olhos graúdos e uma boca maior ainda. Não se sabe se é o amargo da vida ou da erva que faz com que essas mulheres tenham tanto furor pela vida alheia. E o fato é que Glorinha se juntava a elas, especialmente aos domingos.

Quem visse de fora e não conhecesse, pensaria mesmo ser romaria. Vem devota da língua de jipe, bicicleta, a pé e de montaria. Carro, táxi, patinete, garupa de moto e caminhão. Parece coisa filmada em frente à casa de milagreiro. Mas se reúnem todas é na casa da Matilda. E daí, meu filho, não escapa um nome da cidade inteira.

Começada a ladainha, nada mais põe fim. Rezam assim:

— Meu Deus, que absurdo. A Flávia com aquele de Selbach e a Marina com o marido da Danuza. E o Danilo que virou viado e fortuna que ajuntou o Rodrigo? E a Clarinha, filha da Mônica, irmã do Elivelton que engravidou e não sabe quem é o pai? Ah, mas isso é do Amadeu do Curtume. Então tu não sabia que eles tinham um caso? Ah, tinham. E ela agora diz que vai se matar. E a outra que morreu, heim? Capaz que tu não sabe?! Sim, diz que foi erro médico. Mas também naquele um eu não confio. Prefiro ir no veterinário. E o casamento da Dorinda? Convidou gente a não caber no salão. Eu fui, bebi e comi porque era de graça, mas pra falar a verdade nunca vi coisa mais cafona. Tu sabe que a gente não gosta de comentar, né, mas...

E assim iam dos mistérios gozosos aos dolorosos. De quem dormia com quem até quem explodira na sala de cirurgia. Coisa que se a D. Carochinha ouvisse, pedia era aposentadoria. Não havia história da qual não soubessem de cada detalhe, coisas que passariam despercebidas até para quem esteve lá.

Em meio a essa roda de invenção e falatório, de contos aumentados em vários pontos, presença imperdível era a tal da Glorinha. A mulher abandonava sua casa a qualquer hora da noite ou do dia, desde que pudesse levar ou trazer notícia fresquinha da casa de Matilda. No domingo era a primeira a chegar a última a sair. E olha que batiam concorrência para ver quem ficava até mais tarde.

É que coisa curiosa acontecia, as que ficavam malhavam a que saia. Era só Clotilde dizer que era tarde e que ia pra casa cuidar do marido para que:

— E a Clotilde? Souberam do que o marido aprontou? Sim, na cara dela. E ela finge que não vê. E aquela filha dela, heim?! Dando mais do que chuchu na cerca. E tu viu como ela enche a boca pra falar dela? “Porque a minha Márcia isso, a minha Márcia aquilo”, um nojo.

E o que mais queriam? Exigir ética em roda como a da Matilda? Não... Era assim. Se saia Clotilde era dela que falavam mais mal. Se saia Patrícia, faltava era ofensa para descrevê-la. E assim iam. Reza a lenda, inclusive, que ao sair a última, Matilda ainda ligava lá pra primeira, a fim de ter com quem comentar.

Fato é que, por causa da Glorinha, resolveram se informatizar. Fizeram Orkut, Facebook, MSN e resolveram digitalizar a fofoca. Coisa que, cedo ou tarde, daria problema.

E deu.

Numa das idas da Glorinha ao Seminário ela contou pra amiga segredo de confissão: largou o Márcio, pegou o João. Entre versos de “Capaz?!” e “Bem que tu fez!”, Matilda jurou seu sagrado sigilo, repetindo o a prece de toda fofoqueira: “porque tu sabe que minha boca é um túmulo. Um túmulo”. E a fofoca seria o quê? Um zumbi?

Zumbi ou não, foi o tempo de Glorinha chegar em casa e ver mensagem piscando no Facebook. Pois por parva, Matilda ao invés de mandar a mensagem para Clotilde, se confundiu com a janela aberta e mandou foi para Glorinha: “Clô do céu. E a Glorinha que veio aqui me contar que agora tá andando com o João?! Mas é ou não é uma puta?”

Pois puta foi como Glorinha ficou ao ler aquilo.

Aquele dia, na casa da Matilda não teve choro nem vela, teve foi imagem de Santo Expedito voando pela janela. Matilda apanhou tanto, mas tanto, que devolveu à natureza dois dos dentes da frente. E ficou um dia (ou quase, porque ainda conseguia escrever) sem falar mal de ninguém.

Quanto à Glorinha, puta ou não, diz que agora voltou para o Marcos. E, diz também, que já frequenta na progresso outra roda de Chimarrão.

* Esta é uma obra ficcional, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

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