domingo, 13 de maio de 2012

Minhas três mães

Minha primeira mãe não tem um nome para eu chamá-la. E, dizem, eu nunca deveria chamá-la de mãe. Dizem ainda que essa não me amou. Mentira. Me amou sim. Amou o bastante para ter feito com que eu vivesse, quando era tão mais fácil um chá, um comprimido ou uma agulha de tricô qualquer. Já vi fetos mortos assim, salpicadinhos de furos, boiando em uma solução de formol. Poderia ser eu.

Então ela me amou. Amou pouco, pode ser. Eu não a amo. E alguém pode amar o que não conhece? Não pode. Mas um instinto qualquer faz com que eu entristeça no dia do meu aniversário. Ela lembra de mim. Todo ano. Eu sinto nas fibras todas. E isso me entristece. Paciência. Com a vida há de se ter paciência.

Mesmo se pudesse eu não falaria com ela. Acho que não teríamos o que dizer. E cenas mudas, piegas e lacrimosas me parecem sempre inválidas. Eu, no entanto, chegaria perto o suficiente para, escondido, saber se são dela estes olhos, esta boca, este nariz e este cabelo que de novo já teima em enrolar.

Minha segunda mãe – a única verdadeira – tem o nome de Suely. É essa quem eu chamo de mãe e a essa é que eu amo. A mãe que sempre diz “quando o Vinícius veio...” Aquela que sabe que detesto maracujá, salgadinhos de bacon e pepinos caseiros. Aquela que nunca, em tempo algum, deixaria alguém chegar perto de mim com uma bala de banana.

A mesma que conhece minhas cores favoritas e suas épocas. Vermelhos e roxos. Aquela que, na minha infância, desmanchava suas sapatilhas de festa para eu brincar com as contas. Aquela que me comprava em cada viagem uma maravilha. Que me fazia as vontades e me escondia as verdades até eu ter tempo suficiente de entendê-las. Aquela que me acordava de madrugada para saber se eu havia conseguido dormir apesar de uma febre qualquer. Aquela em cuja bolsa sempre há uma bala doce... 

Minha terceira mãe atende pelo nome de Ághata. E dessa eu nem falo sem rancor. É, talvez, a mais parecida comigo. Dela foi que herdei essa loucura dos olhos sujos de mel. Ághata não tem função outra do que me fazer, decididamente, sofrer.

Ela conhece cada ponta áspera da minha carne e sabe onde precisa, exatamente, arranhar para fazer-me sangrar. E arranha. Ferina, cruel, selvagem e delicada. Só quando ninguém está por perto...

Ághata foi quem hospedou a morte na casa. É ela que leva para a maldita chá com torradas à meia luz. Enquanto isso, ela saboreia – lambendo os dedos velhos – as histórias de sangue e cemitério que a outra tem para contar.

Assim são. Minhas mães: as três Moiras. A primeira segurou o fuso e me teceu de vida. Deixando que depois disso as outras seguissem com o trabalho. A segunda puxou e enrolou o fio. Deu a ele firmeza, textura e cor. A última, de tesoura em punho, esgaça a fibra, faz nós e pequenos cortes, esperando, esperando, só esperando, a hora do eu-fio ceder. 

Hoje é para as três que escrevo, com a certeza de que nenhuma vai ler. É às três que homenageio, sem nenhuma saber. Porque amor de filho pode ser isso também: não revelar o quanto se ama quando o amor pode ser pesado demais para qualquer uma delas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.